Os hábitos antigos custam a morrer
O novo governo começará com o revigoramento de hábitos antigos. Mais uma prova de que custam a morrer, especialmente em relação à política econômica
Na língua inglesa, o provérbio "old habits die hard", literalmente, "hábitos antigos custam a morrer", expressa a ideia que é difícil mudar comportamentos enraizados. Temos em português um provérbio cujo sentido é o mesmo, "o hábito do cachimbo deixa a boca torta". Nossa política econômica mantém hábitos enraizados de quase 50 anos, infelizmente desastrados.
Prova disso é o fato de que a senhora presidente adotou, no dia 19 de dezembro, a medida provisória 663, que altera a lei 12.096, de 24 de novembro de 2009, e autoriza a União a conceder subvenção econômica, sob a modalidade de equalização de taxas de juros, nas operações de financiamento contratadas até 31 de dezembro de 2015. A medida provisória impõe também limite ao valor total dos financiamentos subvencionados pela União ao montante de 452 bilhões de reais.
Traduzindo em miúdos: o Tesouro Nacional emitirá novos títulos de dívida pública para captar no mercado os recursos necessários à concessão dos empréstimos subsidiados pelas instituições públicas de crédito.
Não se trata de uma novidade. Trata-se da persistência de um hábito antigo, por elegância chamado de política econômica, que Deus sabe quando deixará de existir.
Em 2009 havia motivos sólidos para a que lei 12.096 fosse promulgada. O mundo estava então no fundo do poço da crise do subprime desencadeada no terceiro trimestre de 2008 pela quebra do banco Lehman Brothers.
Na confusão que se estabeleceu nos mercados financeiros, os bancos não sabiam qual a solidez financeira dos demais. Em razão disso, as linhas de crédito externo que lastreavam os empréstimos dos bancos brasileiros simplesmente secaram.
Com a brusca retração dos empréstimos dos bancos privados, o aumento do crédito pelas instituições públicas impediu que a economia ficasse paralisada. Voltado especialmente para financiar investimentos, o programa continuou, mesmo depois que a crise externa havia sido debelada e a economia havia retomado o nível de atividade.
O hábito, aliás, é muito mais antigo do que possa parecer. Como já foi apontado, em 1965, começou a funcionar a conta-movimento, que registrava as operações registradas pelo Banco do Brasil na condição de agente financeiro do Banco Central. Essa conta passou gradativamente a ser utilizada como fonte de suprimento automático do Banco do Brasil para viabilizar a realização da política de crédito oficial e outras operações do governo federal, sem o prévio aprovisionamento de recursos.
Deu no que deu. O governo passou a praticar uma política fiscal expansionista fora do orçamento aprovado pelo Congresso Nacional. O decorrente crescimento da oferta de moeda perpetuou a cultura inflacionária, só debelada mais recentemente pelo Plano Real e a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Alguém, com razão, argumentará que estou exagerando, já que há diferenças entre o disposto na lei 12.096 e a recente medida provisória, de um lado, e a conta-movimento, de outro. Na última, o Banco do Brasil emprestava primeiro e buscava depois os recursos junto ao Tesouro Nacional. No sistema em vigor, primeiro os recursos são transferidos pelo Tesouro e posteriormente repassados aos mutuários pelo BNDES.
A forma de captação dos recursos também é distinta nos dois casos: na década de 1960, com o mercado de dívida pública ainda incipiente, os recursos postos à disposição do Banco do Brasil para empréstimos vinham pura e simplesmente de emissão monetária. Hoje, o Tesouro Nacional lança títulos no mercado, aumenta a dívida pública e repassa os recursos captados ao agente financeiro oficial.
Agora, aqui entre nós, que grande diferença faz a forma de captação dos recursos a serem repassados aos tomadores dos empréstimos? Na versão atual se está financiando investimentos cujos recursos não estão provisionados na rubrica de investimentos do orçamento da União. Na versão anterior tampouco estavam.
O recente e insuspeito estudo da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda mostra que a política fiscal manteve-se expansionista entre 2002 e 2013. É uma pena que o estudo, tecnicamente bem feito, não contemplasse pelo menos o primeiro semestre de 2014.
Se o fizesse, talvez mostrasse que a política fiscal foi ainda mais expansionista este ano que nos anteriores. Que o crescimento dos empréstimos dos agentes públicos, com base em recursos captados pelo Tesouro Nacional no mercado, fazem parte de uma política voltada para o aumento da demanda, que se mostrou ineficaz. E que a inflação não recua em razão do excesso de demanda existente na economia.
O novo governo começará em primeiro de janeiro com o revigoramento de hábitos antigos. Mais uma prova de que custam a morrer, especialmente no que se trata de política econômica.