Na esteira do fechamento massivo de lojas, um novo varejo surge nos EUA
Shoppings se adaptam para receber pontos físicos de estrelas do e-commerce, como a Thursday Boots (foto), lojas conceito, restaurantes, games e muita prestação de serviços

Até o final deste ano, 15 mil lojas físicas devem ser fechadas nos Estados Unidos. O número não chega a ameaçar o universo de cerca de 800 mil lojas de varejo em atividade no país, contabilizadas em 2022, mas ainda assim é um recorde absoluto, superando até o ápice da pandemia de covid-19, em 2020, quando 10 mil unidades fecharam as portas. É, ainda, um salto sobre os 7,3 mil encerramentos de atividades de 2024, segundo a consultoria Coresight Research. A notícia ruim, no entanto, acabou ajudando a acelerar a transformação do varejo e já é possível perceber resultados.
Para os especialistas, o momento atual é de disruptura. “O varejo está enfrentando um período de interrupção e ajuste com novos desafiantes crescendo rapidamente e tirando vendas de varejistas tradicionais — Temu e Shein são os maiores nomes aqui, com cerca de US$ 100 bilhões em vendas globais em 2024, de acordo com nossas estimativas, e com essa competição liderada por preço representando uma pressão sobre as margens”, afirma o head de Pesquisa Global da Coresight Research, John Mercer.
Essa competição, somada a desafios como inflação e juros acima do normal, exigiu adaptações que nem todos conseguiram fazer. Ao mesmo tempo, abriu novas oportunidades. “O crescimento total das vendas no varejo dos EUA foi robusto em 2024, mas o desempenho foi irregular e alguns setores enfrentaram uma demanda consideravelmente mais fraca do que outros”, explica. Mas, apesar dos fechamentos recordes de lojas físicas, “as taxas gerais de vacância permanecem baixas e há varejistas e empresas de serviços de prontidão para ocupar o vácuo deixado por esse movimento”.
As projeções que revelam os 15 mil fechamentos também mostram que o ano de 2025 deve ter outras 5,8 mil inaugurações. E é a partir delas que podemos enxergar um novo varejo. Os espaços vazios abriram caminho para uma reformulação que inclui o portfólio dos shoppings e sua ocupação, novos modelos e funções das lojas físicas, a ascensão de marcas e até o início da atividade física de quem sempre foi digital. Tudo já pode ser visto claramente no movimento do maior mercado de consumo do mundo.
Do virtual ao real
O sucesso do digital passou a ganhar a complementação do real, com pontos para atendimento, retirada e troca de mercadorias compradas online, além do estímulo à experimentação. O Google inaugurou no final do ano passado a sua primeira loja física dentro de um shopping e a sua quinta nos Estados Unidos. Ela fica no Oakbrook Mall, no subúrbio de Chicago. Depois dela, foi a vez de Santa Monica, na Califórnia, ganhar a sua e em breve será inaugurada uma em Austin, Texas. Nelas é possível testar celulares, relógios, tablets, câmeras e outros produtos da marca, tirar dúvidas com especialistas, pedir consertos de aparelhos e, claro, buscar itens comprados online.

"Ouvimos dos clientes o quão útil é experimentar nossos produtos pessoalmente, como dar uma chance ao Gemini Live no Pixel 9 Pro ou usar o aplicativo Google Home no Pixel Tablet", afirmou a empresa em comunicado à imprensa. "Os visitantes das nossas lojas têm uma experiência prática semelhante com nossos produtos, serviços e experiências de inteligência artificial."
Às vésperas do Natal do ano passado, a Thursday Boots, marca nativa digital de Nova York, que atua com vendas online há 10 anos, abriu suas três primeiras lojas físicas todas no mesmo dia, em Nova York, Chicago e Paramus (Nova Jersey). Todas com ambientação de saguões e bares de hotéis e clima propiciando a experimentação e a criação de conexões. Embora não revele o número exato, a marca já anunciou que mais espaços físicos estão planejados para abrir até o final deste ano.
Experiências e lojas menores
A ambientação e as vivências dentro do ambiente do varejo estão sendo apontadas como apelos importantes para atração dos consumidores. Nesse contexto, o ponto de venda se torna a motivação da visita em si, conforme explica Mercer, da Coresight. “São as lojas de destino, que oferecem experiências de varejo espetaculares para compradores de lazer”, diz.
É nessa linha que a marca de artigos esportivos Dick’s Sporting Goods tem apostado, com as suas House of Sport, planejadas para resistir à concorrência e se adaptar aos hábitos de compra em evolução. Nelas, há paredes de escalada, pistas de patinação no gelo, simuladores de golfe, pistas de corrida, campos de grama e até gaiola para rebatidas de arremessos de beisebol, entre vários outros ambientes desenhados sob medida para atividades esportivas e testes de produtos.

Em 2024, a rede abriu sete lojas nesse modelo e planeja inaugurar 16 este ano. As lojas House of Sport, incluindo vendas de e-commerce (outra grande aposta da empresa), geraram cerca de US$ 35 milhões em seu primeiro ano de operação, em comparação com US$ 14 milhões nas novas lojas menores da Dick’s. Essas últimas também uma tendência cada vez mais forte. Redes como CVS Health e Burlington são algumas que têm apostado nesse formato.
Uma pesquisa recente da Coresight detectou que 40% dos consumidores preferem lojas menores. “A conveniência é o que leva os consumidores a privilegiarem esse tipo de formato. Cerca de dois terços (64%) dos nossos entrevistados acreditam que são espaços mais fáceis de navegar; quase a metade (47%) diz que elas têm uma localização mais conveniente; e 40% entendem que os tempos de espera no caixa dessas lojas são mais curtos”, revela o head de Pesquisa Global da empresa.
No vazio deixado por grandes lojas de departamentos, vários empreendimentos menores podem ser acomodados. O uso mais flexível dos espaços também tem sido uma aposta para apresentar novos atrativos para a vinda de consumidores aos shoppings.
Na Stonestown Galleria, shopping em São Francisco (Califórnia), uma antiga unidade da Macy’s deu lugar a um Whole Foods (marca de supermercado da Amazon), a um cinema, a uma loja de artigos esportivos e ainda a um posto de atendimento de saúde. Nesse mesmo shopping, foi inaugurado também o Round 1, um gigantesco fliperama e boliche, que ocupou o espaço deixado pela loja de departamentos Nordstrom.
As empresas de serviços que têm procurado os espaços deixados no varejo incluem restaurantes e bares, academias, serviços de lazer/entretenimento e provedores de saúde. Considerando apenas o setor de alimentação, os números de crescimento da ocupação das áreas de shoppings já são bastante expressivos.
Se, há uma década, os restaurantes representavam entre 5% e 10% da área geral de locação dos shoppings operados pela Brookfield Properties nos Estados Unidos, hoje esse percentual se multiplicou. “Aumentou uma quantidade incrível nos últimos anos. Em alguns dos nossos shoppings, estamos vendo de 20% a 30% do total (da área de locação geral) sendo dedicados à alimentação”, afirmou à rede CNBC o vice-presidente sênior de Locação para Varejo de Alimentos e Bebidas da Brookfield, Chris Brandon. Lojas menores, experiências, entretenimento e serviços parecem definir o futuro dos shoppings.
IMAGENS: divulgação