Habitação, mobilidade urbana e saneamento nos últimos quatro anos
Em 2010 apresentei um diagnóstico dessas três questões e recomendações de políticas públicas. Este artigo mostra avanços em algumas delas e estagnação em outras. Também aponta o que está por fazer.
A grande dificuldade é que os investimentos necessitam ser bem planejados, exigem grandes recursos, o tempo de execução é demorado e a maturação dos projetos é no longo prazo. Isto exige um compromisso de Estado e não de governo, pois o calendário eleitoral impõe a ótica de curto prazo.
Em 2010 o diagnóstico foi que o País estava numa transição entre o antigo modelo de políticas urbanas e novas alternativas. Havia um vácuo deixado pelo velho modelo criado durante o regime militar (muito federal e com financiamento altamente concentrado nos recursos do FGTS). Atrair recursos privados e ter uma política clara de subsídios eram medidas consideradas fundamentais. Então recomendamos: (1) compatibilizar e integrar os programas e as ações dos três setores; (2) simplificar e focar os programas existentes; (3) articular os programas e as ações entre as diferentes esferas de governo; (4) priorizar o uso de recursos públicos para subsidiar programas destinados à baixa renda; (5) modernizar mecanismos de gestão e de atração de recursos privados para os investimentos de longo prazo; (6) prestar contas dos recursos públicos utilizados e avaliar resultados alcançados.
Nos últimos quatro anos, a área de habitação foi a de resultados mais expressivos. Com o “Minha Casa Minha Vida” (MCMV), recursos federais de fundos (FGTS e FAT) e do Orçamento Geral da União foram reunidos e organiza- dos para ampliar a produção habitacional. A descentralização do MCMV estimulou participação de empreendedores privados e elevado número de habitações. Na primeira fase (2009- 2011) os principais problemas foram: a maior parte destinava-se a famílias com renda acima de R$ 1,6 mil e o valor máximo de cada habitação dificultava a produção em grandes centros urbanos (em que o preço da terra é mais eleva- do).
Esses problemas foram aliviados na segunda fase (2012-2014), mais focada na baixa renda (com maior subsidio da União) e o valor máximo nos grandes centros foi para R$ 190 mil. Hoje se critica “superoferta” em municípios com menores necessidades, “suboferta” onde essas necessidades são maiores e que boa parte do modelo repete a “Cidade de Deus” carioca: arquitetura massificada, localização periférica, baixa acessibilidade aos locais de em- prego e de entretenimento..
O saneamento ambiental, apesar do Plano Nacional de Saneamento Básico, carece de mais investimentos e de um tratamento regional e não local. Para água e esgoto, municípios devem apresentar seus planos. Mas, 34 dos 100 maiores municípios não os têm. Economias de escala e gestão por bacias são desestimuladas, pois se incentiva o “cada um por si”. Resultado: os indicadores de cobertura das redes de água e de esgoto evoluíram pouco. Nos resíduos sólidos, 90% dos municípios brasileiros despejam seus resíduos em lixões e não em aterros sanitários ou incineradores. Os municípios também devem apresentar seus planos de manejo, mas muitos não têm capacidade técnica, nem recursos para elaboração e, muito menos, capacidade de gestão, tornando a política inócua.
A mobilidade urbana avançou menos do que esperado. Os incentivos federais foram de crédito para comprar mais carros com menos impostos e rodar bastante com gasolina “subsidiada”, agravando o problema dos congestionamentos urbanos. E mais: apenas 26% das obras de mobilidade urbana do PAC 2 saíram do papel.
Para funding das obras de infraestrutura, passou-se a dispor de um novo instrumento desde 2013: as debêntures de infraestrutura emitidas por Sociedades de Propósitos Específicos (SPE), com incentivos fiscais aos aplica- dores. Embora, segundo a CETIP, mais de R$ 10 bilhões referentes a esses papéis estejam circulando no mercado, o volume foi aquém do que se esperava.
Quanto ao que precisa ser feito, as palavras são efetividade e eficiência. O governo federal não pode abrir mão da liderança no processo. As recomendações continuam as mesmas de quatro anos atrás, porém ressaltamos: (1) é preciso lidar seriamente com as questões regionais e metropolitanas que envolvem os se- tores aqui mencionados; (2) há que fazer grande esforço e compromissos institucionais para recuperar a credibilidade dos investidores
privados para novos aportes de recursos; (3) a capacitação técnica dos entes federativos deve ser considerada, principalmente na elaboração de projetos; (4) os recursos aplicados e os resultados atingidos devem ser publicamente monitorados e avaliados para evitar desvios e vicissitudes de nosso sistema político-institucional; (5) as ações das três áreas precisam ser coerentemente propostas dentro da mesma concepção de “cidades com qualidade de vida” – o governo federal não pode mais tomar decisões incoerentes e contraditórias à essa concepção, como faz há anos.