Gucci, Shinola e o poder do comércio para recuperar Detroit

Há mais de uma década que a cidade norte-americana ensaia uma retomada. Com muitos lotes e imóveis abandonados, marcas de luxo tentam criar um novo centro comercial

Mariana Missiaggia
13/Dez/2022
  • btn-whatsapp

Nos últimos anos, o senso de comunidade no varejo tem sido muito citado como uma forte tendência para o presente e futuro das marcas. Entender como a localidade em que está inserido funciona e o que as pessoas que ali vivem necessitam e aspiram pode ser um bom norteador para o negócio.

Embora ainda estejamos imersos em um varejo muito voltado à escala, volume e multiplicação de padrões, já há empresas com posturas mais respeitosas ao que está acontecendo no mundo - com processos mais humanizados e espaços físicos que proporcionam diferentes tipos de conexão com o consumidor. 

Entender que uma marca não precisa se apresentar sempre da mesma forma pode ser um ponto de partida interessante para quem deseja mudar. Uma loja recém-inaugurada pela marca de luxo Gucci, no centro de Detroit, nos Estados Unidos, materializa bem essa perspectiva.

Na prática, o novo espaço nem é tão inovador em relação aos seus produtos ou apresentação, mas o que impacta o público nesse caso é a relação criada com o entorno e com quem passa pelo endereço.

FACHADA DA GUCCI RECÉM-INAUGURADA EM DETROIT

 

Inaugurada há poucas semanas, a loja nova vem sendo estruturada desde 2019, quando a Gucci passou a interagir com o público local por meio de diálogos e pequenos eventos. O contexto de Detroit é um tanto diferente das metrópoles e endereços badalados em que as marcas de luxo costumam se instalar.

Há mais de uma década que a cidade norte-americana ensaia uma retomada, especialmente, em seu centro comercial. Muitos lotes vazios e imóveis abandonados ainda deixam bairros inteiros às moscas após a famosa indústria automobilística de Detroit ter fracassado.

O CONTEXTO DE DETROIT

Em 1950, o automóvel transformou Detroit numa das maiores cidades da América como próspero berço da indústria automobilística norte-americana. Foi o lar das maiores fabricantes de automóveis - Ford, Chrysler e General Motors - que dominaram, na época, a indústria automobilística mundial.

Durante muito tempo conhecida como um polo industrial e automobilístico, a cidade passou por uma crise severa, com desemprego em alta, falta de investimentos, despovoamento e, em consequência, a falência municipal, que foi decretada em 2013.

De quinta cidade mais populosa dos Estados Unidos, em 1950 – com 1,8 milhão de habitantes -, hoje são menos de 700 mil habitantes, com 36% da população vivendo abaixo do patamar da pobreza. A cidade também abriga mais de 78 mil imóveis vazios, inclusive arranha-céus, em boa parte depredados.

Ainda em um processo de recuperação, alguns bairros começam a dar cara nova à cidade com prédios em reforma e novos moradores chegando. Como Detroit ficou barata demais, alguns investimentos começaram a surgir.

A Amazon montou um grande centro de tecnologia na cidade. Empresas como a Shinola, marca de moda masculina, passaram a produzir bicicletas, relógios, bolsas e aparelhos de som de alto luxo na cidade. Sua loja principal, localizada em uma fábrica abandonada, deu à região ares de modernidade a uma das regiões mais marginalizadas até então da cidade, onde havia um dos piores índices de crimes do país, e que agora é rodeada por cervejarias, restaurantes e lojas modernas.

SHINOLA EM DETROIT DEU ARES DE MODERNIDADE À BAIRRO ABANDONADO

 

Outras ações interessantes, como as fazendas urbanas, são importantes para a população local. Neste caso, os terrenos baldios entre as casas de bairros abandonados são usados para a produção de alimentos de forma verticalizada e indoor. E embora o próprio governo local não a considere uma atividade economicamente relevante pela cidade - pela baixa geração de vagas de emprego -, esse projeto ajuda a população, pois gera alimento mais barato e mais fresco do que no supermercado, e, principalmente, tira aquela cara de abandono da região.

Nesse movimento, na última década, a cidade também se tornou alvo de projetos urbanísticos baseados em um zoneamento de uso misto para fazer dali uma nova realidade. Muitos jovens têm promovido o renascimento de alguns bairros com projetos de arte - música, pintura, esculturas, fotografia e moda, que abrem novas possibilidades na cidade.

Também parte desse movimento, a Gucci é uma das raras marcas de luxo a operar lojas independentes fora das grandes metrópoles. Desde 2019, a marca analisa dados dessa geolocalização por meio do programa Gucci Changemakers, criado para fomentar uma nova era de jovens diversos na indústria da moda - apoiando e dando visibilidade para criatividade encontrada na cidade. Exemplo disso é a transcrição na fachada da loja de uma das estrofes da poetisa local Jessica Care Moore, que criou um poema original que incorpora a missão da marca em Detroit.

Depois de tanto estudo, a marca entendeu que mesmo com seus principais endereços comerciais na ruína, a cidade precisava de algo majestoso para atrair outros negócios ao centro da cidade.

A boutique abrange mais de 3,5 mil metros quadrados e exibe uma ampla coleção de roupas e acessórios masculinos e femininos, joias, relógios e decoração Gucci. A marca encontrou um alinhamento natural com a cidade e sua cultura.

Preservando a arquitetura histórica do imóvel em que se instalou, a nova luxuosa Casa da Gucci apresenta azulejos de vidro restaurados e trabalhos geométricos em metal na fachada que se estendem por todo o interior.

Pisos monocromáticos com padrões personalizados espelham os painéis geométricos da fachada, produzindo efeitos decorativos tridimensionais, integrando-se com a forma das luminárias cilíndricas e em LED para monitorar e promover a eficiência energética.

Além de pressionar o mercado como um todo por uma representação mais forte em endereços independentes, a Gucci também tenta chamar a atenção da indústria da moda por meio de relacionamentos com organizações sem fins lucrativos.

Outra ação local da marca é o apoio a estudantes de instituições como a Cass Tech High School, a escola pública mais antiga da cidade. A Gucci também trabalha ações de visibilidade da economia criativa encontrada na cidade, como, por exemplo, ao ter encomendado um filme — Jenn Nkiru's Black to Techno (2019) — que celebrava o Techno (ritmo musical) como uma forma de arte típica de Detroit.

São ações que de certa forma integram a população nessa retomada e que já trazem repercussões importantes para a região. Detroit foi nomeada um dos melhores lugares do mundo pela TIME em 2022 e seu futuro econômico é descrito como resiliente mesmo enquanto navega pelas consequências do covid-19.

O Diário do Comércio permite a cópia e republicação deste conteúdo acompanhado do link original desta página.
Para mais detalhes, nosso contato é [email protected] .

Store in Store

Carga Pesada

Vídeos

Conversamos com Thaís Carballal, da Mooui, às vésperas da abertura de sua primeira loja física

Conversamos com Thaís Carballal, da Mooui, às vésperas da abertura de sua primeira loja física

Entenda a importância de planejar a sucessão na empresa

Especialistas projetam cenários para o pós-eleições municipais