Franquias precisam revisar contratos para atender nova legislação

Desde junho, escolha do foro para discutir eventuais conflitos deve ter relação com domicílio ou local do negócio das partes envolvidas. Caso contrário, será considerada prática abusiva, alerta a advogada Marina Richter, da NB Advogados

Karina Lignelli
19/Nov/2024
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Franquias precisam revisar contratos para atender nova legislação

Imagine um conflito judicial entre uma rede de franquias e seus franqueados que se estende por longos meses (ou até anos), gerando impactos negativos para ambas as partes, porque os juízes de determinada região dizem não ter "competência" para julgar a ação.  

O motivo é que, desde junho, o artigo 63 da Lei 14.879/24, que alterou a Lei 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), passou a vigorar com a seguinte alteração em seu parágrafo primeiro: que a escolha do foro (para discutir possíveis conflitos) somente vai produzir efeito quando estiver relacionada ao domicílio ou residência, ou local do negócio.

Em resumo, as partes envolvidas em uma operação de franchising precisam revisar seus contratos para certificar se a escolha do foro atende à nova legislação, em caso de uma possível ação judicial civil, sob pena de ser considerada uma prática abusiva. O alerta é da advogada especializada em franquias Marina Nascimbem Bechtejew Richter, da NB Advogados.  

"Se a ação for ajuizada em foro aleatório, poderá ser considerada prática abusiva (principalmente se favorecer apenas uma das partes). E o juiz poderá, sem qualquer consulta prévia, decidir em qual local a ação tramitará, retardando o cumprimento da obrigação”, explica. Ou seja, ainda que haja uma cláusula do foro escolhido, as partes podem ficar discutindo qual o foro adequado por tempo indeterminado.

Antes, o código civil não especificava essa questão. Mas o principal objetivo dessa mudança é justamente proteger as partes em uma situação que antes não estava expressa na legislação, diz. 

Como a lei já está em vigor desde a data em que foi publicada, muitas empresas ainda não adequaram os contratos - o que tem gerado problemas para quem está nessa situação. Um deles é a já citada distribuição dos processos em locais não indicados no contrato, redirecionados para outras varas e fazendo com que a possível solução fique ainda mais distante. 

"Se o juiz decidir que não tem competência para julgar a ação em Presidente Prudente, por exemplo, ele pode jogar para Campinas, baseado nesse parágrafo 1º do artigo 63, e a ação pode ficar circulando até finalmente ficar definido quem irá analisá-la", reforça. 

Outro problema de não revisar o contrato, e esse mais complexo, é que em meio a um conflito já existente, essa falta de revisão pode gerar outros tipos de ação, pois já existem casos com uma das partes pedindo a invalidação da cláusula sob alegação de que a escolha do foro dificultou seu acesso à Justiça, ou até questionando hipossuficiência (falta de recursos). 

Nesse sentido, segundo Marina, a mudança trouxe mais segurança ao evitar que surjam questionamentos a respeito de o foro ser ou não adequado. “É hora de fazer a adequação dos contratos para esta nova realidade, e avaliar outras formas de resolução de conflitos - como a arbitragem, por exemplo”, completa a advogada.

OUTROS CAMINHOS

Mesmo que a mudança na legislação seja clara, Marina Richter, que se considera "defensora da arbitragem", lembra que a Lei 13.966/2019, que regula o franchising brasileiro, possibilita em seu artigo 7º, parágrafo primeiro, a eleição dessa medida nos contratos de franquia.

“É mais ágil e traz uma sentença definitiva, sem possibilidade de recurso. Além disto, a ação é julgada por árbitros com conhecimentos específicos na área, o que é uma grande vantagem”, destaca a advogada. 

Mesmo que a cláusula da arbitragem não esteja no contrato, se as duas partes decidirem em consenso resolver algum conflito dessa forma, é possível: basta assinarem um termo, explica. "Mas se uma das partes não quiser e não houver cláusula, não tem como seguir." 

De modo geral, Marina recomenda cuidado na hora de elaborar esse tipo de cláusula para proteger as partes em caso de conflitos. Como o fraqueado que infringe obrigações contratuais, não respeitando o prazo da cláusula de não-concorrência, por exemplo.  

Ou a franqueadora que não cumpre sua parte no contrato, fazendo com que o franqueado queira rescindi-lo, e também reaver os créditos investidos no empreendimento.

Sem a determinação do foro adequado, de acordo com a lei 14.879/2024, mais tempo se leva para o julgamento do processo em andamento. E mais prejudicial para os negócios. 

No caso da não-concorrência, quanto mais tempo demorar para ser julgada, mais difícil conseguir a liminar para impedir que o franqueado deixe de utilizar a marca até sair a sentença judicial. "Sem contar que cabe recurso: no final, passaram dois anos e o que sobrou é a multa pelo descumprimento da obrigação. E ele continuou operando todo esse tempo", diz. 

Quando a acusada é a franqueadora, muitos franqueados entram na Justiça comum e, quanto mais o tempo passa, pode culminar com a extinção do processo. Dependendo do caso, o franqueado pode ser condenado até a pagar honorários de sucumbência (que a parte perdedora deve pagar para reembolsar os gastos com a contratação do advogado).

"Se ele tivesse entrado com arbitragem, talvez tivesse conseguido uma sentença para iniciar o processo de execução (ou seja, de pagamento do crédito a que tem direito)", afirma.

Algumas câmaras arbitrais possuem convênios, como a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e a Associação Brasileira de Franchising (ABF), garantindo descontos a associados. 

Mas a especialista reforça que, em caso de escolha pela arbitragem, é essencial inserir uma cláusula arbitral cheia na minuta do contrato de franquia. "Ela deve ser entregue ao candidato já na entrega da Circular de Oferta de Franquia (COF), e com antecedência legal", finaliza. 

 

IMAGEM: Freepik

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