Faturamento e lucro caem para 60% dos restaurantes
Aumento de até 20% nos custos encarece o menu. Cerca de 60 mil estabelecimentos devem fechar até 2017, de acordo com previsão da Food Consulting

A porção individual de inhoque, um dos pratos mais tradicionais da Vinheria Percussi, cantina localizada há três décadas em Pinheiros, aumentou R$ 2,70 em novembro, para R$ 56,10.
Essa alta de 5% no preço do prato não chega à metade do tamanho do reajuste que a casa teria de fazer, se decidisse repassar toda a alta de custos para o cardápio.
Os preços dos ingredientes dos restaurantes subiram de 12% a 15%, em média, neste ano, de acordo com levantamento da consultoria Food Consulting.
Os custos com mão de obra, água, energia elétrica e serviços, como manobristas e lavanderia, já superam os 20%, no último ano, de acordo com donos de restaurantes.
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Para minimizar a pressão de custos, a rede Johnny Rockets, especializada em hambúrgueres, também elevou em 5%, em outubro, os preços dos sanduíches, que custam agora entre R$ 26,90 a R$ 34,90, acompanhados de batata frita ou mini-salada.
A cantina e a hamburgueria expõem um movimento de reajustes de preços de menus que ocorre em restaurantes da cidade de São Paulo neste final de ano, apesar da crise.
Desde o início deste ano, os preços da alimentação fora de casa têm subido mais do que a inflação geral, de acordo com o IPC (Índice de Preços ao Consumidor) da Fipe/USP, que mede o desempenho dos preços no município de São Paulo.
De janeiro a outubro, o IPC geral foi de 0,11%. O preço da alimentação fora do lar subiu 0,51%. Só que, há pouco mais de um mês, o IPC identificou uma alta mais intensa de preços da refeição fora de casa.
Em outubro, comer em restaurantes, bares, lanchonetes e padarias ficou 0,89% mais caro. A inflação média, no período, foi de 0,27%.
Considerando todo o grupo de alimentação, houve até queda de 0,27% nos preços em outubro, de acordo com o IPC/Fipe.
Se os preços de frutas, verduras e outros alimentos caíram, o que justifica um cardápio mais caro?
“O custo de um restaurante não é só com alimentos, mas envolve também mão de obra, serviços, diz André Chagas, coordenador de índices de preços da Fipe."Com uma clientela menor e custos mais altos, chega uma hora que a conta não fecha, com impacto no cardápio.”
Levantamento realizado pela Food Consulting, em parceria com o Ipeso, com quase mil restaurantes, lanchonetes, churrascarias, pizzarias e padarias, revela que a crise afetou significativamente as finanças do setor.
Desse universo, 57% dos estabelecimentos informaram que reduziram o faturamento neste ano e 59%, o lucro. Considerando somente o Estado de São Paulo, o cenário é ainda pior – 60% das casas registraram queda de receita e 63%, de lucro.
“Esses dados refletem a combinação de queda de movimento e aumento de custos dos restaurantes. Alguns estabelecimentos estão tentando resolver parte do problema elevando o que podem o preço do cardápio”, afirma Sérgio Molinari, diretor da Food Consulting.
"De um ano para cá, os restaurantes tentaram segurar ao máximo os repasses de custos e melhorar a produtividade", diz Lamberto Percussi, dono da Vinheria Percussi.. "Ocorre que isso não se faz em três ou quatro meses. O ajuste leva um tempo. Chega uma hora em que o restaurante deve rever os preços para sobreviver."
Operam no país cerca de 1 milhão de restaurantes, bares, padarias, pizzarias, churrascaria. É um mercado que movimenta US$ 370 bilhões por ano, de acordo com a Food Consulting.
Por conta da queda de faturamento e lucro, entre 2015 e 2017, pelo menos 60 mil estabelecimentos terão fechado as portas, de acordo com estimativa da consultoria.
Na região da Vila Madalena, onde se concentra grande número de bares e restaurantes, é visível o impacto da queda de frequência da clientela. Há placas de ‘Aluga-se’ espalhadas por todo o bairro.
Vários restaurantes tradicionais da região fecharam as portas recentemente, como o Sushi Los Ruas (comida japonesa), que estava localizado na Rua Mourato Coelho, o El Guatón, conhecido pelas empanadas chilenas, na Rua Artur de Azevedo, e o Matterello (massas), na Rua Fidalga.
ARMADILHA
Elevar o preço do cardápio para compensar queda de faturamento e de lucro pode se transformar em uma armadilha para os restaurantes, na avaliação de Molinari.
“Se o cliente vai a um restaurante com frequência e vê que os preços subiram, ele vai embora com a sensação de que o gasto não valeu a pena e não volta mais”, diz o consultor.
Para subir o preço, diz ele, o restaurante precisa entregar algo a mais em relação aos pratos oferecidos e ao serviço. “Se não fizer isso, vai espantar os poucos cliente que já tem.”
Num cenário em que boa parte dos restaurantes perdeu fregueses, há exceções. Na pesquisa realizada pela Food Consulting, 14% das casas elevaram o faturamento e 13%, o lucro, no país, na comparação com o ano passado.
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Em São Paulo, o percentual é menor - 10% elevaram a receita e 10,5%, o lucro. Tanto no Brasil como no Estado de São Paulo, 29% dos restaurantes conseguiram manter o faturamento e 28% (Brasil) e 27% (São Paulo), o lucro.
A crise está exigindo dos restaurantes um sistema de gestão profissionalizado, corte de custos e fim de desperdícios.
Foi-se o tempo em que o dono do restaurante sequer olhava as planilhas de custos e de preços e apenas se preocupava em tirar do caixa as sobras no final do mês.
Zupa Silva, dono do Consulado da Bahia e do Baiano de Dois, ambos localizados em Pinheiros, diz que, por enquanto, não vai mexer no preço do cardápio, e que está correndo atrás de novos fornecedores para diminuir os custos.
“Há dois meses, pagava R$ 63 o quilo do camarão. Hoje, pago R$ 85. Estamos enxugando a empresa, trocando de fornecedores, reduzindo margem de lucro. Pretendemos segurar os preços até fevereiro”, diz Zupa, que também é dono da franquia Big X Picanha, com 54 lojas.
O Baiano de Dois, que fica na Praça Benito Calixto, tem apenas quatro meses. Há muito tempo ele queria montar um restaurante ali e a oportunidade só apareceu agora na crise.
“Esse restaurante da Benedito Calixto vende 20% do que fatura o Consulado da Bahia, mas não quis perder a oportunidade de entrar na praça, que é a minha paixão”, diz ele.
Para atrair os clientes, ele criou pratos executivos à base de peixe e camarão que custam R$ 39 e que podem servir duas pessoas (sem muita fome), acompanhados de acarajé de entrada e cocada cremosa de sobremesa. A promoção no Baiano de Dois vai até o dia 10 deste mês.
Antônio Augusto Ribeiro da Costa, master franqueado para o Brasil da cadeia norte-americana Johnny Rockets, diz que subiu 5% os preços dos sanduíches, menos do que precisaria, porque está em um intenso processo de renegociação com os fornecedores.
“Só com mão de obra nossos custos subiram entre 10% e 11% neste ano. O aluguel também foi reajustado entre 10% e 12%. As carnes estão entre 10% e 25% mais caras. Sem contar os reajustes de energia, água, gás. Tudo isso teve um impacto grande nos custos”, diz ele.
A rede estreou no Brasil em 2013, um pouco antes de a crise mostrar a cara. A hamburgueria possui 12 lojas em São Paulo e interior e em Goiânia (GO).
Se não fosse a crise, diz Costa, a cadeia já contaria com cerca de 20 restaurantes. Neste ano, ele abriu duas lojas – uma em Ribeirão Preto (SP) e outra no shopping Morumbi, mas “à dura custas”.
Além da crise, de acordo com ele, os restaurantes estão tendo de enfrentar a concorrência com os ‘food trucks’, que começaram a crescer no país justamente quando a crise começou a se intensificar.
“Diminuiu a clientela e aumentou a oferta de opções para comer fora de casa, o que provocou uma tempestade no setor. A ordem agora é sobreviver. Mesmo que a economia melhore, o mercado não será mais como antes”, diz ele.
Um dos pioneiros em ‘food truck’ em São Paulo, Rolando Vanucci, dono do Rolando Massinha, diz que esse segmento não vai tão bem como pode parecer para os donos de restaurantes.
“Os ‘food trucks’ nasceram com uma cara muito elitizada, com preços caros, e, assim como os restaurantes, eles estão sofrendo com a crise”, diz Vanucci.
Ele mesmo que tem prato de R$ 10 (espaguete ao sugo) diz que sentiu uma queda de 20% no movimento com a crise.
Hoje, de acordo com ele, há cerca de 400 ‘food trucks’ espalhados por São Paulo, que registram queda de vendas da ordem de 30%, em média.
Os aumentos de custos, de acordo com Vanucci, subiram até 40% neste ano e ele tem necessidade de reajustar os preços em 15%. Não conseguiu.
Com oito carros em São Paulo e um faturamento anual de R$ 1,2 milhão, ele diz que, assim como no caso dos restaurantes, a rentabilidade do negócio diminui. A do Rolando Massinha, que chegou perto de 25%, agora está mais próxima de 15%.
Quando comparada com outros setores, uma rentabilidade de 15% ainda é de dar inveja. Cauteloso, ele diz que não tem planos de crescer enquanto a economia não melhorar.
Até que o consumidor volte a frequentar os restaurantes como fazia antes da crise, os restaurantes vão ter de cuidar muito da gestão e estudar formas de elevar as vendas.
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DELIVERY
Um canal que tem sido mais explorado pelos restaurantes é o delivery. A i-Food, plataforma de pedidos online para entrega de comida em casa, cresce todos os meses desde que foi lançada, em 2011.
A plataforma tem hoje 14.500 restaurantes cadastrados em todo o Brasil que fazem mais de 3 milhões de entregas por mês.
“Este está sendo um canal no qual o restaurante consegue novos consumidores, por isso tem sido alternativa de vendas que tem crescido”, diz Simone Carvalho, diretora-comercial da i-Food.
Para ter acesso à plataforma, o restaurante paga uma taxa de 12% sobre o valor do pedido e mais R$ 100 por mês. O tíquete médio do pedido de delivery no país, de acordo ela, é de R$ 60.
A Food Consulting constatou que os restaurantes que estão faturando mais na crise são os que agradam os clientes em atendimento, quaidade, cardápio variado e ativos no contato com os consumidores.
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