Evitar a falta de produtos vira desafio para os supermercados

De cada 100 itens que os brasileiros buscam nas lojas, 9,8 estão em falta, de acordo com a NeoGrid, especializada em gestão de estoques. No exterior, a proporção é bem menor

Fátima Fernandes
01/Nov/2016
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Evitar a falta de produtos vira desafio para os supermercados

Na sexta-feira (28/10), quem esteve no supermercado Futurama da Lapa, na zona Oeste de São Paulo, à procura de macarrão Scala, margarina Delícia, iogurte Nestlé e inseticida Raid, não encontrou os produtos.

O cliente teve quatro alternativas: comprou macarrão ou margarina de outra marca, adquiriu um produto diferente, foi para outro supermercado buscar exatamente o que desejava ou simplesmente voltou para a casa com as mãos abanando.

Essa situação, tão corriqueira no dia a dia dos consumidores, nunca esteve tão em pauta em reuniões de executivos das indústrias e dos supermercados.

Com a crise, ficou mais difícil levar o consumidor para dentro das lojas. Se ele entra e não compra nada, perde a indústria, que costuma investir milhões de reais em marketing de produtos, e o supermercado, que deixa de faturar e, pior, corre o risco de perder de vez o cliente.

De cada 100 itens que o consumidor quer comprar em um supermercado no Brasil, 9,8 ele não encontra, de acordo com o mais recente levantamento da NeoGrid, empresa que mensura a chamada ruptura de produtos nas gôndolas de 10 mil lojas de 150 redes espalhadas pelo pais.

Com base nos dados de estoque e de venda diária de cada uma dessas lojas, a NeoGrid consegue identificar a falta de produtos e traçar um indicador médio de ruptura.

O indicador de setembro, de 9,8%, de acordo com Robson Munhoz, diretor da NeoGrid, é superior ao da média histórica do Brasil –até 2014, não ultrapassava 8%.

A boa notícia é que o índice de setembro é menor do que já foi nesta crise. Em janeiro passado, o índice de ruptura atingiu 13,08%. Significa que de cada cem itens que o consumidor procurou na loja, 13 ele não encontrou.

Na região da Grande São Paulo, o índice de setembro está mais perto do que o da média histórica, de 8,28%. No interior do Estado de São Paulo, a ruptura de produtos nos supermercados já é maior, atingindo 10,26%. Veja, no quadro abaixo, o índice desde janeiro de 2016: 

Com base nas informações que possui dos supermercados, a NeoGrid estima que uma loja poderia vender quase 4% mais, se tivesse um índice de ruptura próximo de zero.

Considerando um supermercado que fatura R$ 1 milhão por mês, ele poderia vender, portanto, de acordo com o cálculo da NeoGrid, R$ 40 mil a mais por mês ou R$ 480 mil a mais por ano.

Antônio Ferreira de Sousa, gerente da loja do Futurama da Lapa, diz que é praticamente impossível uma loja obter ruptura próxima de zero.

Ele explica: as redes de supermercados, incluindo a Futurama, com sete lojas, tendem a centralizar as compras para poder ter melhor negociação de preços e prazos com os fornecedores.

Quando a compra é centralizada para toda a rede, as visitas de representantes de indústrias costumam ser agendadas, ocorrendo, geralmente, a cada 15 ou 20 dias.

“Pode ocorrer de um item faltar neste intervalo. Em alguns casos, quando é possível, no caso de mercadorias não refrigeradas, recorremos aos atacados para não deixar faltar produto na gôndola”, afirma Sousa.

ESPAÇO RESERVADO PARA O INSETICIDA RAID NO FUTURAMA DA LAPA

A loja não tinha iogurtes Nestlé, macarrão Scala e inseticida Raid, diz ele, porque houve atraso nas entregas. “É problema de logística.”

No caso da margarina Delicia, produzida pela Bunge, a falta aconteceu porque a indústria está passando a entrega de produtos para um distribuidor. 

GOL CONTRA

Num país em crise e com um mercado tão competitivo como o dos supermercados, a falta de produto na gôndola é como marcar um gol contra, de acordo com Sandro Benelli, consultor de varejo da Enéas Pestana & Associados.

Você sai de casa para comprar o amaciante de roupa Comfort, da Unilever, não tem, e você compra o Mon Bijou, da Bombril, ou vice-versa, por exemplo.

O que pode ocorrer num caso como esse é o consumidor testar um produto que não costuma usar, gostar, e trocar de vez de marca.

“Neste caso, para o lojista, pode não ter tanta importância, pois ele vendeu um produto, mas para o fabricante, sim. Isso explica o interesse cada vez maior da indústria em ter promotores para abastecer as gôndolas dos supermercados”, afirma Benelli.

NO EXTERIOR

Nos países desenvolvidos, os representantes dos supermercados falam em uma ruptura da ordem de 4% a 6%, de acordo com Nelson Barrizzelli, consultor de varejo.

Para evitar a falta de produtos nas gôndolas, diz ele, as indústrias e os supermercados usam tecnologias e relacionamento para a reposição contínua das mercadorias.

A reposição é feita utilizando tecnologias de estoques gerenciados pelo fornecedor e pelo supermercado.

“Nos dois casos, todos recebem as mesmas informações e têm condições de repor as mercadorias tão logo os estoques no Centro de Distribuição (CD) ou na loja atinjam o nível de segurança”, diz ele.

Geralmente, de acordo com Barrizzelli, essas informações circulam eletronicamente e o ponto de reposição é calculado pelos computadores envolvidos. Neste caso, as condições de negociação (preço e prazo) são definidas anualmente.

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NO BRASIL

No Brasil, apesar de essas tecnologias serem amplamente dominadas, o modelo de atendimento fornecedor-supermercado está mais focado em negociação – até porque a inflação no país é muito superior à do mercado americano, por exemplo.

Os pedidos de cada mês são discutidos entre as partes, caso a caso, e as negociações prosseguem até que as partes concordem com preços e prazos.

“Em geral, o fornecedor não tem nenhuma informação sobre os estoques dos supermercados, que usam essa falta de informação para esticar a negociação”, diz Barrizzelli.

Os fornecedores e os supermercados também fazem contratos anuais que preveem parte dos aspectos negociais que devem presidir as relações entre os dois durante o período.

“Mas não conheço sistema de reposição contínua de produtos que efetivamente funcione no Brasil”, diz Barrizzelli.

NO FUNDO DA LOJA

A NeoGrid constatou nos supermercados que monitora que, muitas vezes, o produto que o cliente procura não está na gôndola, mas em uma área reservada para o estoque.

Dos dez produtos (a cada cem) que o consumidor não encontra na prateleira, quase sete estão na loja, o que revela falhas no processo de abastecimento dentro do próprio ponto de venda.

ROBSON MUNHOZ, DA NEOGRID: HÁ FALHAS DE ABASTECIMENTO DENTRO DA PRÓPRIA LOJA

“Esse é o pior dos mundos para o supermercado. Por um problema operacional, a mercadoria foi comprada, está na loja, mas não está disponível para o consumidor.”

Para Benelli, situação como essa constatada pela NeoGrid, revela que a gestão do reabastecimento de produto é tão importante quanto a informatização do sistema.

“Informática não é tudo. O sistema emite relatórios, a partir dos dados que são colocados por funcionários. Quem está no escritório cuidando do setor de compras tem de estar ligado com o chão da loja, senão o processo de abastecimento não funciona”, diz Sousa.

Ele descreve um erro comum que acontece nos supermercados, mesmo considerando as lojas com os mais modernos sistemas de gestão para abastecimento das gôndolas.

Uma loja vende 100 produtos por dia, por exemplo.  Quando faz uma promoção, passa a vender 200 diariamente e, portanto, dobra a compra da indústria para certo período.

Com o fim da promoção e a volta do preço normal, muito provavelmente, a loja vai voltar a vender os mesmos 100 produtos que costumava comercializar por dia.

“Se quem cuida de compra não estiver atento e só confia no sistema, vai colocar pedido para 200 produtos por dia, o que é um erro, já que a loja não vai mais vender aquele volume.”

Para Barrizzelli, a ruptura de produtos nos supermercados no país é um problema que ainda está longe de ser resolvido. A cultura, diz ele, é mais forte do que a razão.

“Eu mesmo tenho tido dificuldade para encontrar duas vezes seguidas alguns produtos que desejo comprar na loja que costumo ir com frequência.”

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Foto: Divulgação

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