Esse é que é um empreendedor de visão
Como o paraibano Arione Diniz, ex-pedreiro, ex-mecânico e ex-balconista ergueu a maior rede de óticas da América Latina convertendo funcionários em franqueados

“Atenção: guarde sua receita e não compre óculos de grau agora, mas em condições que você nunca viu!” “Seu oftalmologista mais feliz, com a chegada das Óticas Diniz!”
Imagine ouvir, durante uma semana, bordões como esses saindo do alto-falante de carros de som espalhados pela sua cidade. Ou bombardeado por meio de vinhetas ao longo da programação de rádios e TVs locais.
No dia marcado para a “megainauguração” da loja, carreata e trio elétrico para atrair o público, com direito a contagem regressiva no momento da abertura.
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E o espetáculo culmina com filas e mais filas de gente à espera da distribuição gratuita de mil armações de óculos e lentes de grau a R$ 19 todos os dias, na primeira semana de funcionamento (que é para "fidelizar" logo a clientela).
É dessa forma, e com esse jeito de “chegar chegando” típico do seu criador e fundador, o simpático paraibano Arione Diniz, 55, que a Óticas Diniz completa 23 anos de atividades.
Considerada a maior empresa de varejo ótico da América Latina, a rede ultrapassou as 850 unidades no país, e planeja fechar 2015 com faturamento acima de R$ 500 milhões. E mais: com 110 lojas inauguradas.
O negócio é baseado em um filosofia bastante peculiar criada pelo fundador, que aposta de forma agressiva na divulgação do seu formato de ótica. A abertura descrita acima dá uma ideia disso.
Consiste em transformar funcionários -- e somente eles-- em franqueados para incentivar a paixão pelo negócio. Ou em parcelar óculos de grau em dez vezes, assim como “as grandes empresas de varejo”, como reforça Diniz.
E o principal: instruir seus vendedores para tratar os clientes como se fossem únicos ou, no mínimo, velhos amigos. Sua ideia dos primórdios, de colocar uma espécie de minibar dentro de cada loja, virou marca registrada.
Refrigerantes, chazinhos, sucos naturais, picolés e até uma cervejinha são servidos aos clientes, que levam os filhos e aproveitam pra relaxar durante a compra dos óculos.
“Nas lojas de varejo normais, nem água eles servem para a gente! Oferecer um serviço descontraído e gratuito aos clientes virou uma espécie de cartão postal da nossa loja, porque quando eles vêm já sabem que vão se sentir em casa. E esse é um dos segredos do nosso sucesso”, diz.
O “ERRADO” QUE DEU CERTO
Mas quem vê a grandiosidade do negócio hoje, e uma certa extravagância bem humorada aplicada no dia a dia da expansão, não imagina que Arione Diniz fez de tudo antes de virar um empresário com visão de negócios.
De trabalhador da roça em sua Catolé da Rocha natal, onde aprendeu a ler e escrever, foi pedreiro e mecânico até virar balconista de uma ótica-relojoaria-joalheria, aos 18 anos.
Gago e tímido, começou consertando óculos e “se escondendo” no pequeno laboratório ótico da empresa, conforme conta, divertido, sem nunca nem ter imaginado estar atrás de um balcão. Até que o dono decidiu levá-lo junto para ajudar a entregar encomendas de óculos aos clientes.
Aos poucos, Diniz foi se soltando e começou a gostar do trabalho. O patrão, por sua vez, começou a entender que os clientes tinham dificuldade para se comunicar. Ao mesmo tempo, percebeu que, mesmo gago, o funcionário tinha carisma, e os clientes voltavam a procurá-lo quando precisavam.
“Eu tinha tudo para dar errado. Hoje, tem gente que faz terapia para melhorar da gagueira, mas fazer esse trabalho ajudou a me soltar, e foi assim que eu superei”, conta. E deu certo mesmo: aos poucos, foi crescendo, chegou à gerência, e sua passagem pela empresa durou 14 anos.
Mas seu sonho mesmo era ser empreendedor: quando teve oportunidade, juntou cerca de R$ 2,5 mil, em valores da época, e comprou sua primeira lojinha em março de 1992, em São Luiz (MA). Com o valor, deu uma arrumada no imóvel, e os primeiros produtos foram comprados a prazo.
Apesar das dificuldades iniciais, o negócio começou a andar. Fazer propaganda ajudou a trazer movimento para a loja, e logo Diniz abriu a segunda, a terceira... Nesse meio tempo, decidiu levar seus 12 irmãos para “esse lado do empreendedorismo.”
“Eu era muito desprendido, sempre tive mania de ficar ajudando todo mundo. Mas se continuasse fazendo isso, o negócio ia quebrar. Então, fiz todo mundo colocar a mão na massa!”, afirma.
SEM CRISE
Com um projeto já desenhado em mente, preparou-se para, junto com a família à frente das outras lojas, ingressar com a marca em outros mercados do Nordeste e do Norte do país.
Resultado: abriram óticas em Belém, Maceió, Natal, Aracaju, Salvador, Campina Grande, Fortaleza, Teresina, Espírito Santo, Brasília, Goiânia... Em alguns anos, atingiram a marca de 252 unidades.
“Foi quando eu vi que a franchising era uma coisa que estava crescendo muito no Brasil. Aí, juntei todo esse pessoal em São Paulo para assinar o contrato, e em 2006 colocamos em prática o projeto de franquias. A ideia era seguir uma linha mais profissionalizada de negócio”, afirma.
Operando no formato desde então, a rede de óticas hoje trabalha com empresas e fornecedores multimarca, sendo que 80% das linhas de óculos são de receituário, e 20% da linha solar.
“Mas 30% dos negócios são de marcas patenteadas nossas, e o restante é diluído em marcas associadas ao glamour de cosméticos e roupas, como Ray Ban ou Dior.”
Na ocasião, a Óticas Diniz entrou pesado no interior de cada região do país, incluindo Paraná e Santa Catarina, em cidades com população em torno de 70 mil a 100 mil habitantes.
Por um acordo com outra famosa rede de óticas, não entraram somente em São Paulo e no Rio de Janeiro. “A gente não entrava nos dois, e eles não entravam no resto”, conta. Até o outro lado quebrar o acordo.
“Agora, temos 180 lojas só em São Paulo, sendo 40 na capital. Do total, são 110 de rua, e o restante em shoppings. Temos o objetivo não só de abrir mais de 100 lojas em São Paulo e no Rio, mas também fazer a conversão de bandeira (para a marca Diniz) em 50 óticas nos dois estados”, diz.
Tudo isso sem medo de recessão: citando dados da Abióptica (associação do setor), Diniz lembra que esse mercado fatura hoje R$ 23 bilhões – número que deve quase dobrar, ultrapassando os R$ 43 bilhões nos próximos cincos anos, por conta do envelhecimento da população brasileira. “Ou seja, a crise não vai bater às portas do nosso negócio tão cedo”, acredita.
PARA MELHORAR A VIDA
Apesar da boa perspectiva nos negócios, Arione Diniz afirma que, a priori, a palavra de ordem na rede é não falar de expansão, mas de melhorar a operação atual.
Por isso, interessados em abrir franquia que não sejam da rede estão fora de cogitação – mesmo que a meta de inaugurar 100 lojas por ano não pare, e o planejamento para 2015 seja de chegar a 110.
Além dos irmãos e parentes, todos os franqueados vêm da empresa, e foram funcionários de carreira. Com isso, o empresário passou a priorizar os talentos internos - tanto que hoje há mais de 320 diretores que saíram de trás de balcão para serem empreendedores de sucesso, afirma.
“Imagine quanta gente do nosso pessoal pensa em abrir a primeira, a segunda, ou a terceira loja... Hoje, temos diretores que, sozinhos, possuem 33, ou até 68 lojas. Se não damos conta de absorver nem gente nossa, como vamos trazer de fora?”, questiona.
Por isso, o foco não é abrir cada vez mais franquias, mas melhorar a vida das 9,5 mil pessoas que trabalham e estão envolvidas nos negócios da rede. “Elas exercitam sua paixão (pela empresa) e são presenteadas abrindo seu próprio negócio. Acho que esse é um ponto alto de sucesso.”
A exceção é o formato de conversão de bandeira citado anterioremente, que já vem dando certo em São Paulo. A loja mais recente que passou pelo processo está localizada no centro de Arujá, e é de propriedade da franqueada Rosa Coutinho, que completa dois anos de conversão com dez lojas.
“Aqui, os franqueados não são concorrentes, são aliados”, diz Esther Coutinho, diretora de marketing das franquias da ótica em Arujá.
Para atingir o objetivo atual de melhorar a qualidade da gestão dos atuais 320 franqueados no país nos próximos dois anos, a rede tem o apoio de uma consultoria.
Já Diniz conta com a ajuda dos filhos, Ariane e Bruno, e do vice-presidente, Francisco Vidal (“quanto mais jovem, mais legal”, brinca, usando uma de suas frases de efeito), para cuidar pessoalmente da expansão.
“Quando abrimos nossa primeira loja em cada cidade, sempre estou lá, e os diretores acompanham tudo. Falo que todos podem ligar para mim a hora que quiserem, pois o negócio é trabalhar junto o tempo todo para nos profissionalizar”, afirma, citando seu modelo de gestão compartilhado.
Questionado sobre o segredo do sucesso, Diniz afirma que é criar uma rotina de se doar de corpo e alma, sem querer nada em troca. E levar todo mundo a querer fazer o mesmo. “Em qualquer ambiente dá resultado, e tudo prospera a seu favor”, afirma.
Mas é preciso ter um lado visionário, claro. “É identificar o que o concorrente não faz de bom e se aprimorar para sempre remodelar o novo. Isso porque da manhã para a noite, ele fica velho. E só sai na frente quem sabe fazer isso”, diz.
FOTOS: Arquivo Óticas Diniz