Enfrentar lojistas descapitalizados é desafio para atacadistas
Com participação de 58% no faturamento do setor, de R$ 220 bilhões anuais, o pequeno varejo compra marcas mais baratas, não faz mais estoque e exige entrega rápida
Os atacadistas terão ainda mais desafios para enfrentar em 2017. O pequeno varejo, responsável por 58% do faturamento do setor, da ordem de R$ 220 bilhões por ano, está descapitalizado.
Os pequenos comerciantes de alimentos, bebidas e produtos de higiene e limpeza e beleza que resistem à crise querem opções mais baratas de mercadorias, entregas frequentes, até semanais, para atender o consumidor mais empobrecido e evitar os estoques.
As dificuldades financeiras e as novas demandas dos pequenos comerciantes têm exigido das empresas atacadistas mudanças em suas estruturas de vendas e de logística e nas relações com as indústrias.
Antes da crise, os atacadistas concentravam as compras nas indústrias de marcas líderes. As negociações com os fornecedores e os clientes eram feitas quase que de forma automática e as entregas, programadas.
Hoje, eles têm de identificarr fornecedores capazes de oferecer produtos mais baratos, com a mesma qualidade dos de marcas de primeira linha.
É uma exigência dos consumidores, que passou a ser também do pequeno comerciante.
“Há indústrias que deram um passo maior do que a perna em relação a reajustes de preços", diz Emerson Destro, sócio-diretor do grupo Destro, com faturamento anual da ordem de R$ 1,8 bilhão.. "Foram com muita sede ao pote, só que o mercado não aceitou. A consequência é que houve migração para as marcas mais baratas.”
O instituto Nielsen identificou este movimento. No primeiro semestre do ano passado, as marcas low price representavam 34,8% das vendas de café do pequeno varejo. Neste ano, o percentual subiu para 36,6%.
Nas vendas de óleo de soja, a participação de marcas mais baratas subiu de 70,2% para 73,1%. Em relação a água mineral, de 44% para 49%; molho de tomate, de 18,9% para 19,6%; e nas marcas de farinha, de 41% para 43,2%, no período.
Na loja do supermercado Futurama da Lapa, as marcas de segunda linha de produtos de limpeza já representam 50% das vendas dessa categoria, de acordo com o gerente Antônio Ferreira de Sousa.
“O pequeno varejo tem que expor na loja aquilo que o consumidor pode pagar. Não adianta colocar somente produto de marca líder, com preço que hoje é inviável para o cliente”, afirma Álvaro Furtado, presidente do Sincogava, sindicato que reúne os pequenos varejistas de gêneros alimentícios do Estado de São Paulo.
Destro, que, a partir de janeiro será o novo presidente da ABAD (Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores de Produtos Industrializados), diz que a sua empresa reforçou a oferta das chamadas marcas talibãs e passou a fazer entregas em até 24 horas em cidades mais próximas de seus centros de distribuição.
“Se o comerciante vende, ele repõe, pois não possui mais capital para fazer estoques”, diz ele, que comanda uma empresa de atacado que atende 25 mil pequenos varejistas na região Sul do país, São Paulo e Mato Grosso do Sul.
Com 30 mil clientes espalhados pelo Rio Grande do Sul, Paraná e interior de São Paulo, a empresa de atacado Oniz identificou uma redução de cerca de 30% nos estoques do pequeno varejo por conta de queda nas vendas e falta de capital.
A inadimplência e o aumento nos pedidos de recuperação judicial do pequeno varejo são hoje e devem prosseguir no próximo ano como os principais problemas a serem enfrentados pelas empresas de atacado, de acordo com José Luís Turmina, diretor da Oniz.
“Uma boa parte do pequeno varejo está descapitalizada e com problemas de fluxo de caixa, gerando rupturas em suas prateleiras e uma ‘espiral descendente’. Menos dinheiro, menos mercadorias. Menos mercadorias, menos faturamento...”, afirma ele.
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O presidente do Sincovaga diz que muitos estabelecimentos de pequeno porte não estão resistindo à crise e, mesmo nesta época do ano, quando o consumo é tradicionalmente maior, mercadinhos continuam fechando as portas em todo o Estado de São Paulo.
Os pequenos lojistas do Rio Grande do Sul, de acordo com Turmina, da Orniz, são os que demandam mais marcas low price neste momento por exigência dos consumidores. Isso acontece menos no Paraná e menos ainda no interior de São Paulo.
Para enfrentar o avanço das marcas mais baratas nos pontos de venda, as fabricantes de marcas líderes estão colocando os produtos em embalagens mais econômicas e packs promocionais, como ‘leve três e pague dois’, na tentativa de manter a fidelidade do cliente.
Pesquisa do instituto Nielsen revela que de janeiro a junho deste ano as vendas de produtos em embalagens promocionais dobraram em relação a igual período do ano passado. Também garnharam participação os produtos em embalagens retornáveis e menores.
PREÇO JUSTO
Juliano Souto, diretor da Fasouto, uma das maiores empresas de atacado de Sergipe, diz que o pequeno lojista da região está com foco em marcas que entregam bons produtos com preço justo.
“Se uma empresa entrega flocos de milho com a mesma qualidade de uma marca líder, o lojista não vai comprar a marca líder”, afirma.
Em Sergipe, segundo afirma, o pequeno comércio reduziu em 25% o número de marcas por categoria. Se o comerciante trabalhava com quatro marcas de arroz, agora oferece três. E esse movimento acontece com todas as linhas de produtos.
Apesar de terem cedido espaço para os produtos de segunda linha, as marcas líderes, de acordo com Souto, continuam fortes no pequeno comércio da região.
Para enfrentar o empobrecimento do lojista e do consumidor, as indústrias e os atacados estão intensificando as parcerias, estendendo benefícios para os lojistas e criando comitês para ajudar o pequeno varejista a administrar melhor o seu negócio.
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“A ABAD fez parcerias com o Sebrae para oferecer cursos de gestão para o pequeno comerciante. Houve adesão, mas, depois, muita desistência. Esse pessoal parece que não gosta muito de sala de aula para ganhar qualificação”, diz Destro, em tom de desabafo.
O pequeno varejo só vai voltar a crescer, de acordo com Destro, quando tiver mais estruturado, mesmo depois que a crise acabar, e for capaz de concorrer com as redes menores e mais estruturadas.
SEM EXCEÇÃO
Na verdade, a crise forçou todas as empresas, independentemente de tamanho, a correr atrás de produtividade, corte de custos, qualificação. “Estamos há quatro anos trabalhando em um processo para aumentar a produtividade”, diz Destro.
Até meados de 2015, o pequeno varejo não tinha de enfrentar grandes problemas, pois se beneficiava do fato de ser uma loja de proximidade, modelo conveniente para o consumidor, assim como as lojas de vizinhança de grandes redes, de acordo com Nelson Barrizzelli, consultor de varejo.
“Com o desemprego, esse cenário começou a mudar, pois o consumidor está dando agora muito mais importância para os preços, e por isso o pequeno varejo e as lojas de vizinhança de grandes redes estão sofrendo mais com a crise”, diz ele.
O modelo de lojas que está se disseminando nesta fase é o atacarejo, o atacado de autosserviço que vende para o varejo e para o consumidor final.
Levantamento do instituto Nielsen revela que as vendas nominais dos atacarejos cresceram 24%, em média, de janeiro a julho deste ano em relação a igual período do ano passado, mais do que aumentaram as vendas de outros canais - 5,4%, em média.
O desempenho do setor atacadista também soluça. O faturamento real das empresas registra queda de 2,44%, de janeiro a outubro passado ante igual período do ano passado. De acordo com a ABAD, a expectativa é de que 2017 não será muito diferente.
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