De restaurante temático a compra em supermercado, tarifaço afeta dia a dia do norte-americano

Sem saber o real tamanho do aumento de preços, consumidor acostumado a alimentos importados tenta se adaptar; comércios lutam para evitar prejuízos

Estela Cangerana, dos Estados Unidos
28/Abr/2025
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De restaurante temático a compra em supermercado, tarifaço afeta dia a dia do norte-americano

Muito além dos eletrônicos e dos carros, o impacto da guerra comercial disparada pelo presidente Donald Trump atingiu em cheio e implantou o caos da incerteza no bolso e no dia a dia do cidadão comum norte-americano. O resultado é fácil de se perceber nos corredores dos supermercados, em pequenos negócios e em restaurantes por todo o país. O medo da alta dos preços é tanto que já há especialistas tentando orientar a população a não fazer compras de pânico e nem estocar comida, como aconteceu na pandemia de covid-19.

Isso porque a lista de produtos importados na mesa das famílias é maior do que muita gente imaginava. A começar por temperos, como o alho, e passando por suco de maçã concentrado, chá, camarão e frutos do mar: todos vindos da China. Avocato, tomate, diversas variantes de berries (morango, framboesa, mirtilo, amora) e vegetais: originários do México. Carnes, salmão, lagosta, óleo de canola e o tradicional xarope de maple que vai nas panquecas americanas: vêm do Canadá.

O caso do alho ilustra bem o tamanho do problema, conforme explica o especialista Phil Lampert, conhecido como o Guru do Supermercado. “A China produz 80% de todo o alho do mundo e o item ainda é um ingrediente usado em uma série de pratos congelados.” Da mesma forma, dois terços do suco de maçã consumido nos Estados Unidos são feitos a partir do suco concentrado chinês, outra mercadoria em que o país asiático domina o mercado global.

Um levantamento feito por Lambert sobre o impacto do tarifaço no mercado de alimentos e bebidas traz dados importantes também sobre a dependência dos vizinhos dos norte-americanos. Ele aponta que o México responde pela metade de todos os vegetais e 40% das frutas importadas pelo país. Cerca de 90% do avocato, tipo de abacate que virou febre e invadiu uma infinidade de receitas, e 67% das berries são mexicanas. E 85% de todo o xarope de maple que rega as panquecas no café da manhã das mesas do país são canadenses.

O Guru do Supermercado lista ainda frutos do mar, café, cerveja e vinho, bananas, abacaxi, castanhas, nozes e queijos. Mesmo um chocolate feito nos Estados Unidos, mas que usa cacau importado, pode ser impactado. "Os preços vão subir, não há dúvida disso. E, francamente, veremos alguma escassez, especialmente se olharmos para o nosso corredor de produtos hortifrutigranjeiros, porque compramos cerca de 50% desses itens do México", afirmou. "Todos os lugares que lidam com alimentos, seja um supermercado, um restaurante, o McDonald's, hospitais, escolas — todos serão afetados pelas tarifas."

Ansiedade, tomates e ovos

Em suas várias entrevistas na mídia, Lampert, no entanto, faz questão de frisar: "o que precisamos ter em mente é: não vamos comprar em excesso, não vamos entrar em pânico".

Ele faz coro com outros especialistas. Para muitos, a verdade é que não é possível ter certeza sobre como ficarão as tarifas, e consequentemente os preços, daqui para a frente. A escalada da tensão com a China é fato, mas ainda há muitas negociações em andamento com outros países e não se sabe ao certo o que realmente entrará em vigor depois da pausa de 90 dias anunciada na política de reciprocidade.

Isso sem falar nas novidades que podem ser anunciadas a qualquer momento. No dia 15 de abril, por exemplo, a administração Trump anunciou uma tarifa extra de 21% sobre o tomate mexicano durante o verão, em um esforço para “proteger os produtores norte-americanos”. A taxa passa a valer a partir de 14 de julho, pico da temporada de tomate, quando o Departamento de Comércio pretende encerrar um acordo comercial de 2019 assinado com o país vizinho.

Medidas como essa acabam aumentando a ansiedade de consumidores de norte a sul, que ficam sem saber o que comprar e quando, para se proteger da elevação de preços dada como certa, embora ninguém saiba o tamanho dela. Vem à tona, ainda, a memória da inflação da pandemia, que atingiu o pico em meados de 2022. Sem falar na recente crise do preço do ovo.

Três consumidores, três visões diferentes

Sem conseguir mapear bem os cenários, as famílias buscam aquilo que acreditam ser o melhor para o momento. Às vezes, é possível ver comportamentos opostos lado a lado, conforme apontou reportagem do Los Angeles Times, que foi ouvir consumidores no estacionamento de uma unidade de um Costco na Califórnia.

“Olha, eu só estou comprando ovos”, disse o trabalhador da construção civil aposentado Trinidad Estrada, enquanto colocava quatro caixas do produto em seu carro. Ele e a esposa vivem com um salário fixo e estavam evitando carnes bovina, suína e de frango, por considerarem itens caros. “Não sei se nosso cheque dá”, afirmou. Já o preço dos ovos, segundo ele, estava menor.

Ali perto, no mesmo estacionamento, Steve Karman, que não revelou sua profissão, disse à reportagem que cortou os ovos da sua compra, justamente por terem se tornado “artigos de luxo”. Ele só compra o produto quando está em promoção e tenta estocar, mas é sempre uma quantidade limitada por conta de sua geladeira pequena. "É um peso para o bolso e não vejo alívio vindo", destacou, enquanto descarregava um carrinho cheio de compras no seu porta-malas.

Já a consumidora Maria Gonzalez contou que mudou suas compras desde o ano passado devido à inflação. Saíram ovos e carne bovina, entrou o frango. Mas a margem de manobra que a família tinha para fazer ajustes acabou e ela se sente frustrada. "Tentamos comprar apenas o necessário e sempre procuramos ofertas", revelou. "Você realmente não pode fazer nada, não é?"

As incertezas dos californianos refletem o que se passa em todo o país. O Índice de Sentimento do Consumidor (ICS, da sigla em inglês para Index of Consumer Sentiment), apurado pela Universidade de Michigan, está despencando mês a mês.

O ICS ficou em 50,8 pontos, ou seja, 10,9% menor na comparação com março deste ano e 34,2% inferior a abril de 2024. As condições econômicas atuais registraram 56,5 pontos, revelando quedas de 11,4% sobre o mês anterior e de 28,5% sobre o ano passado. Por fim, o indicador de expectativas do consumidor, que traz a visão de futuro, caiu para 47,2 pontos, equivalente à retração de 10,3% na comparação mês a mês e de 37,9% ano a ano.

Os dados foram apurados no período de 25 de março a 8 de abril, antes, portanto, do adiamento de 90 dias para a aplicação da política de reciprocidade.

Da rede de fast food ao mercadinho temático

Os consumidores não estão sozinhos em sua ansiedade. Pequenos comércios de alimentos e até redes de fast food que trabalham com ingredientes importados fazem coro na preocupação e tentam se adaptar.

O futuro de empreendimentos como o Kam Man Food, supermercado chinês que atende os nova-iorquinos em Chinatown, na ilha de Manhattan, desde 1972, está em risco. As mercadorias vindas de Hong Kong, Taiwan e China continental representam mais de 90% da oferta da loja.

Com a ajuda de uma tradutora de cantonês, o gerente do estabelecimento, Hei Chan, de 78 anos, desabafou para a revista Newsweek: “não está fácil para nós”. Segundo ele, a empresa já suspendeu temporariamente as compras. "Costumávamos importar continuamente, mas agora pedi para eles pararem por um tempo. Por exemplo, frutos do mar secos e produtos especiais secos. Fiz um pedido e solicitei para não nos enviarem ainda."

O problema do momento é com a tradição de comer bolos lunares, pastéis recheados com ingredientes que vão de pasta de feijão doce a carnes diversas e que são consumidos no Festival do Meio do Outono, celebração da colheita na China e em alguns países asiáticos, que acontecerá no começo de outubro. A loja reduziu pela metade a quantidade de bolos que vai trazer. "É muito caro e não temos certeza. Mas, como precisamos fazer pedidos agora, temos que ir em frente", disse.

Com muito mais fôlego que o supermercado chinês de Nova York, a rede de fast food de comida mexicana Chipotle também precisou se adaptar. A empresa consome uma quantidade grande de avocatos mexicanos, mas está ativa na busca do produto globalmente. Em sua política de diversificação da cadeia de suprimentos, tem comprado a fruta de outros países da América e do Caribe, em especial de regiões próximas ao Equador, por conta do clima.

Segundo o CEO da companhia, Scott Boatwright, não haverá aumento de preços para seus clientes. “Acho injusto... repassar esses custos para o consumidor, porque o preço é permanente”, anunciou em conferência à imprensa. Ele afirmou que, por conta do balanço patrimonial forte, a rede poderá absorver o impacto de cerca de 60 pontos-base em sua margem de lucro.

O Chipotle, no entanto, já havia aumentado os preços de seus produtos em 2% em dezembro do ano passado, devido à inflação. Foi o quinto aumento de preços em quatro anos.

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