Crise derruba preços e a rentabilidade das empresas
Em uma lista de 12 produtos -de automóvel a televisor-, a queda real de preço atingiu 7,5%, em média, em 34 meses até outubro passado ante a inflação de 24,6%, no período

A inflação deve se fixar próxima de 7% neste ano e ainda é um incômodo para a economia. Mas, após dois anos de crise, também é fato que os preços de alguns bens de consumo despencaram no Brasil.
De janeiro de 2014 a outubro passado, o preço real de carro usado caiu 25,4%; televisores, 15,9% e o de móveis, 13,5% [veja a queda de preços de outros bens no quadro abaixo]
Em uma lista de 12 produtos, a queda real de preços atingiu 7,5%, em média, em 34 meses terminados em outubro, ante a inflação de 24,6%, no período.
O cálculo é da consultoria MacroSector, com base em dados do IPCA, do IBGE. Do grupo de 12 itens considerados, dois registraram aumento de preços no período –alimentos, de 6,7%, e produtos farmacêuticos, de 1,1%. Veja as quedas de preços.
A queda real de preços no mercado é um legado positivo da crise para o consumidor. Quando a economia estava em expansão, quem nunca ouviu a frase: “o Brasil está caro”?
O preço de um imóvel em Miami (EUA) chegou a ser inferior ao de um similar em São Paulo. Em certo período, viajar para os Estados Unidos para comprar roupas era mais compensador do que adquirir artigos no Brasil.
A crise mudou esse cenário. “A recessão derrubou os preços de bens de consumo, que, antes da crise, eram reajustados no mínimo de acordo com a inflação”, afirma Fábio Silveira, sócio-diretor da MacroSector.
Não há dúvida que, para o consumidor, a queda de preços sempre foi e será muito bem-vinda. Mas, para a indústria e o varejo, o efeito pode ser perverso.
“A combinação de queda de preço e de demanda significa perda de rentabilidade para toda a cadeia produtiva de bens duráveis. É o que está acontecendo no país”, afirma Silveira.
O pior para os negócios é que, para 2017, não há sinais de que esse quadro deverá mudar. “Não há espaço para a recuperação de preços no ano que vem”, diz o economista.
ADEUS
Foi justamente a falta de perspectiva para a economia brasileira que levou a Toyobo, empresa japonesa do setor de fiação e tecelagem, a fechar as portas depois de 53 anos no Brasil.
De acordo com um funcionário da empresa, que preferiu não se identificar, a Toyobo só conseguia ser competitiva quando a taxa de câmbio estava desfavorável para a importação.
O aumento de custos aliado à queda de demanda e de preços levou a companhia a fechar a unidade de produtos têxteis em novembro e a dispensar 400 funcionários.
Um pouco antes, as japonesas Daiwa, com sede em Uberlândia (MG), e a Omi, instalada em Lençóis Paulista (SP), também decidiram encerrar a produção de fios e tecidos no país por perda de competitividade.
No ano passado, a indústria têxtil, que emprega cerca de 1,5 milhão de funcionários, fechou 100 mil postos de trabalho no país.
A perspectiva das empresas do setor é cortar mais 30 mil empregos neste ano, de acordo com Fernando Pimentel, diretor superintendente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil).
Não tem outro, diz ele. De janeiro a outubro deste ano, a produção da indústria têxtil caiu 6,5% e de confecção, 8,7%, na comparação com igual período de 2015.
Por dez anos, até 2013, o setor só cresceu no mercado brasileiro. Em 2010, a indústria têxtil criou 65 mil empregos formais no país, de acordo com Pimentel.
O cenário hoje é muito diferente. “No curto prazo, não há expectativa de retomada mais consistente de rentabilidade do setor. As empresas estão cortando gorduras, enxugando estruturas”, diz ele.
No varejo, a combinação de queda de receita e rentabilidade levou ao fechamento de 100 mil lojas no ano passado, de acordo com a Confederação Nacional do Comércio (CNC).
Fábio Bentes, economista da CNC, estima que mais 100 mil lojas deverão encerrar as suas atividades neste ano.
“Os custos sobem e não é possível repassá-los para os preços por conta da retração de demanda. Há centros comerciais inteiros fechados por causa da crise”, afirma ele.
Em 2014, o volume de vendas no varejo caiu 1,6%. Em 2015, 8,6%, de acordo com o IBGE. Este ano, de acordo com estimativa de Bentes, deve diminuir mais 9%.
Em dois anos, portanto, a queda de vendas do setor deve atingir quase 20%.
“O ano de 2017 também será difícil. A projeção para o PIB é de crescimento de 1% e a renda das famílias não deve aumentar”, diz ele.
Uma queda tão acentuada de produtos de bens duráveis só aconteceu na época do Plano Collor, na década de 90, quando o governo confiscou parte do dinheiro dos brasileiros.
Alguns segmentos dentro do setor de bens de consumo, no entanto, ainda conseguem manter os preços e, portanto, a rentabilidade, de acordo com Nelson Bruxellas Beltrame, diretor da Data Custos, consultoria especializada na formação de preços.
Grifes que atendem o público de alto poder aquisitivo, os eletrodomésticos de última geração e produtos da Apple, por exemplo, diz ele, não costumam ficar mais baratos.
“Os modelos de smartphones mais antigos são descontinuados para que não haja referência de preços quando os novos são lançados. Os televisores mais sofisticados geralmente custam mais caros porque agregam novas tecnologias”, diz ele.
Esses produtos que são vendidos numa faixa de preços mais altos e, portanto, capazes de dar maior rentabilidade para os fabricantes, são, de qualquer forma, considerados exceções.
Como a recomposição de preços e de margem ainda está longe de acontecer, diz Beltrame, as empresas vão ter ser bem mais cuidadosas na hora estabelecer os preços das produtos.
Para isso, as organizações (indústrias ou lojas) precisam conhecer no detalhe quais são exatamente os custos fixos, financeiros e os impostos devidos.
Os empresários, de acordo com Beltrame, não podem estabelecer preços só olhando para a concorrência, como é muito comum acontecer hoje no país.
“Cada empresa tem o seu próprio custo. Se estabelecer preço do produto olhando para o mercado, poderá ter surpresas”.
De acordo com ele, o varejo de produtos têxteis e calçados costuma dar boa margem de lucro para as empresas.
Na crise, as empresas desses que comercializam marcas intermediarias geralmente sofrem mais, pois já não conseguem ganhar mais no volume.
Esse é um dos motivos que têm levado milhares de lojas nas ruas e nos shoppings a fecharem as portas, mesmo com a proximidade do Natal, que sempre foi o melhor período de vendas para o comércio.
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