Corrosão de renda afeta venda de alimentos em janeiro
Supermercados começam o ano com queda real de faturamento, registram corrida às promoções e procura por marcas mais baratas
Janeiro sempre foi um mês mais difícil para o comércio, já que disputa o orçamento do consumidor com um acúmulo de contas a pagar, como IPVA, IPTU e matrícula escolar.
Em um ano que começa com desemprego elevado, renda em queda e inflação e juros em alta, o tombo nas vendas atinge em cheio até o setor de produtos essenciais, como o de alimentos.
O faturamento real da rede de supermercados Hirota, com 18 lojas, caiu 10% em janeiro em comparação com igual mês de 2021. Na rede Express, com 26 lojas, a queda é de 16%. “Este foi o janeiro mais fraco dos últimos três anos”, diz Hélio Freddi Filho, diretor da empresa.
Além dos fatores que, tradicionalmente, tornam o mês mais fraco para o consumo, Freddi Filho destaca a corrosão da renda como uma das principais causas do tombo das vendas. “Com desemprego alto e rendimento menor, o consumidor se assusta e gasta menos”, diz.
“O país não passa por um bom momento. Fizemos parcerias com a indústria para vender com descontos e atender a necessidade do cliente”, diz Fernanda Dalben, diretora da Dalben.
Com quatro lojas em Campinas e Valinhos, no interior de São Paulo, a rede Dalben, que atende um público com maior poder aquisitivo, faturou em janeiro o mesmo que em igual mês de 2021.
Descontando a inflação no período, que supera os 10%, a queda de receita da empresa é semelhante à do Hirota.
“A sensação do nosso setor é esta: ninguém sabe o que vem por aí. Todos estão com um pé atrás, receosos, porque janeiro foi muito difícil”, diz Freddi Filho.
“A queda da massa salarial tem impacto no consumo de produtos essenciais. O auxílio emergencial e o aumento da aposentadoria podem dar uma melhorada nas vendas. Mas vai depender mesmo dos preços dos alimentos”, diz Marcel Solimeo, economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
BUSCA POR DESCONTOS
A queda de renda, de acordo com Fernanda, tem resultado em um consumo bem mais consciente e uma corrida por descontos. “Vimos isso acontecer no final de 2021 e essa será a tendência neste ano, a busca por promoções, algo que, aliás, foi muito falado na NRF em Nova York”, diz.
A NRF (National Retail Federation), maior associação comercial do mundo, realiza todo o começo de ano um evento para discutir as perspectivas para o setor.
Marcas com preços mais acessíveis, de acordo com Fernanda, estão ganhando mais espaço nas lojas, especialmente em categorias de indulgência, como a de chocolates.
Produtos com marca da própria rede, com preços até 30% menores do que os de indústrias líderes, estão sendo cada vez mais demandados.
Além da redução de renda, as chuvas e a explosão da variante Ômicron também são apontadas como causas da forte retração de vendas em supermercados em janeiro.
Afinal, esses três fatores são mais do que suficientes para tirar os clientes das ruas.
MENOR FLUXO DE PESSOAS
Na semana encerrada no último dia 28 de janeiro, a circulação de pessoas em áreas de supermercado e farmácias no país era 2,9% menor do que no período pré-pandemia.
A comparação é com a última semana de fevereiro de 2020, e os dados são da ferramenta Google Mobility, que mede o deslocamento de pessoas por meio de telefones celulares.
“O movimento de pessoas no comércio de produtos essenciais, como supermercados e farmácias, ainda não voltou à normalidade, como mostram os números de janeiro”, afirma Fábio Bentes, economista da CNC (Confederação Nacional do Comércio).
O ápice de queda de circulação de pessoas em supermercados e farmácias ocorreu na semana encerrada em 3 de abril do ano passado, de 40,4% em relação ao período pré-pandemia.
A partir de maio o fluxo de pessoas começou a aumentar, chegando, em outubro de 2021, a ser até maior do que o da última semana de fevereiro de 2020.
“Com a chegada da variante Ômicron, a elevada inflação dos alimentos, a corrosão da renda, a circulação de brasileiros em áreas de comércio de produtos essenciais voltou a cair”, diz.
“Janeiro é mês de férias e há, naturalmente, redução nas compras ou mudança no local em que elas ocorrem. A situação econômica muito desconfortável e a grande insegurança em relação ao ano agravaram o resultado negativo”, diz Álvaro Furtado, presidente do Sincovaga SP, sindicato do comércio varejista de gêneros alimentícios.
O QUE VEM POR AÍ
O que os comerciantes mais querem saber é se esta fase ruim tem alguma chance de terminar ainda neste trimestre, considerando algum controle no avanço da variante Ômicron.
As perspectivas não são muito animadoras na opinião de dois economistas.
“A inflação de alimentos deve continuar pressionada no primeiro trimestre em razão dos problemas climáticos, como a seca no Sul e as chuvas no Nordeste do país”, diz Bentes.
A inflação do setor de alimentos voltou a ficar próxima de 1%, diz ele, sem perspectivas de mudanças no curto prazo.
Nos últimos 12 meses terminados em novembro do ano passado, a inflação de alimentos no atacado bateu em 27% e, no varejo, em 13,6%, de acordo com dados do IBGE.
“Vai ser difícil o varejo reter todos estes aumentos do atacado que, aliás, é algo que está ocorrendo em todos os setores, não apenas no de alimentos”, diz Bentes.
Para Fabio Silveira, sócio-diretor da MacroSector Consultores, não tem jeito, todo o primeiro semestre deste ano está comprometido com inflação e juros elevados.
“Não tem muita saída enquanto a inflação não der mostras de queda. O nível de atividade só vai se recompor quando a inflação estiver estabilizada”, diz.
De acordo com ele, o país está dando marcha à ré, e este começo de ano lembra o fim dos anos 80, quando o país vivia um período de altíssima inflação.
“Não é à toa que os supermercadistas estão com o pé atrás. Salvo algum acidente de percurso, só resta medir a fragilidade da economia neste semestre para projetar para o ano.”
Nos Estados Unidos, a inflação resultou em movimentos que podem dar pistas do que pode ocorrer por aqui, na opinião de Gustavo Carrer, head de novos negócios da Inwave, empresa de tecnologia para o varejo.
Com a pandemia, num primeiro momento, o consumidor intensificou as compras pela Internet, se aproveitando da ajuda financeira dada pelo governo de Joe Biden.
Em seguida, o norte-americano começou a trocar marcas mais caras por mais baratas, num movimento chamado de downtrading, favorecendo também as marcas próprias das lojas.
“Agora, os clientes estão voltando às lojas em busca de descontos e também para escapar dos custos dos fretes. São movimentos que podemos ver por aqui”, diz Carrer.
Quem detalhou muito bem na NRF a jornada dos norte-americanos na pandemia foi Brian Cornell, presidente do conselho e diretor executivo da Target, a segunda maior rede de lojas de departamento dos EUA. A primeira é o Walmart.
IMAGEM: Dalben/divulgação