Confecções lançam a coleção de verão e não veem entusiasmo nos lojistas

Para enfrentar a queda de 40% nas vendas e não correr risco de ficar com altos estoques, Nídia Pauzer Tiss (foto), dona de uma loja de roupas em Campinas (SP), diz que, neste ano, só vai comprar peças com a venda certa

Fátima Fernandes
24/Ago/2015
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Confecções lançam a coleção de verão e não veem entusiasmo nos lojistas

Há mais de 30 anos, Nídia Pauzer Tiss, dona da loja Trajes e Detalhes, localizada em Campinas (SP), cumpria o mesmo ritual. A cada 60 dias, ela ia ao bairro do Bom Retiro, em São Paulo, buscar as novidades da moda feminina para as clientes.

Neste ano, isso mudou. Para enfrentar a queda de cerca de 40% nas vendas, ela decidiu trabalhar quase que pelo sistema de encomenda. Se a cliente gosta da peça, ela vai até a confecção e compra. “Tenho ido ao Bom Retiro quase toda a semana. Trabalho com pronta entrega, mas reduzi a oferta em 40% neste ano”, afirma ela.

A mesma prática foi adotada por Márcia Braz, dona de uma loja de roupas e acessórios instalada em um salão de cabeleireiro, na zona Norte de São Paulo. “Não compro mais grade de modelos e, sim, peças diversificadas. As vendas caíram uns 30% neste ano, na comparação com o ano passado”, diz ela.

O comportamento de Nídia e Márcia é o mesmo de boa parte dos lojistas que atua no setor de vestuário, como reflexo da forte retração do consumo no país.

As confecções acabaram de colocar as primeiras peças da coleção primavera-verão nas vitrines, só que os comerciantes não estão nem um pouco entusiasmados para as compras. Uma repetição do que aconteceu no lançamento da coleção outono-inverno, em março.

Na última segunda-feira (17/08), as lojas de atacado do Bom Retiro estavam vazias. Era geralmente no começo da semana, especialmente em uma época de lançamento de coleção, que os comerciantes de todo o país costumavam vir a São Paulo atrás de mercadorias para abastecer as suas lojas durante a estação.

Achar uma vaga para estacionar o carro nas ruas José Paulino, Aimorés, Silva Pinto e arredores era praticamente impossível e, encontrar uma vendedora disponível, mais difícil ainda. Na última segunda-feira, era fácil estacionar nas ruas do bairro e as atendentes disputavam os poucos clientes que ameaçavam entrar nas lojas.

“A nossa esperança é que as vendas comecem a melhorar a partir de agora. Até o dia 1º de setembro vamos estar com toda a nova coleção na loja”, afirma Fabiana Pereira, gerente da Brenda Modas, confecção localizada na Rua dos Italianos.

LUIS YOON, DA CONFECÇÃO MALAGUETA, DIZ QUE PREFERE NÃO FALAR EM CRISE

“Não vai ser uma das crises mais fáceis de enfrentar. Mas a meta aqui na empresa é não falar de crise”, afirma Luis Yoon, sócio-proprietário da Malagueta, confecção com 27 anos, conhecida por trabalhar com peças estampadas e bem coloridas. Por enquanto, diz ele, a meta é produzir o mesmo volume do ano passado.

Os preços dos tecidos, como jeans, algodão e linho subiram entre 20% e 25% em comparação com igual período do ano passado, principalmente por conta do aumento de custo de energia elétrica. Os tecidos importados, muito usados pelas confecções, também estão mais caros por conta da alta do dólar, segundo levantamento feito pelo Sindivestuário, sindicato que reúne cerca de 12 mil confecções paulistas.

Como consequência, as roupas da coleção primavera-verão estão, em média, entre 10% e 15% mais caras neste ano, na comparação com o ano passado, segundo Marcel Zelazny, diretor do Sindivestuário. “Quem não repassou os aumentos de custos para os preços ou trabalhava com uma margem muito boa ou vai quebrar”, diz ele.

A Moplis, com três lojas de atacado no bairro do Bom Retiro, até tentou, mas não conseguiu repassar para os preços nem uma pequena parte da alta de custos que teve de enfrentar neste ano. “As vendas diminuíram em relação ao ano passado. Não dá para aumentar preços”, diz Rosemeire Nogueira, gerente da confecção.

Dependendo da quantidade que o lojista compra, a Moplis ainda oferecia, pelo menos até a semana passada (17/08), alguns descontos. Para os lojistas, os vestidos da confecção custam entre R$ 89 e R$ 99. E as batas, que são tendência para o verão, de R$ 59 a R$ 69.

A Controvento, especializada em roupas femininas, também não mexeu nos preços. “A margem está mais prejudicada neste ano. É melhor perder os anéis do que os dedos. Este não é um ano de buscar lucro, mas de manter a empresa funcionando a plena carga”, afirma Stéfanos Anastassiadis, sócio-diretor da empresa.

PAVLOS, DA MAIN STREET:TIVE DE REDUZIR OS PREÇOS EM 5%

Pavlos Theodorakis, sócio-proprietário da Main Street, confecção de roupas masculinas, diz que os aumentos de custos para a produção da coleção de verão foram da ordem de 15%. Só que, em vez de repassar esta alta, ele foi obrigado a reduzir os preços das mercadorias em 5%, na comparação com o ano passado.

“Tive de reduzir a margem de lucro”, diz Theodorakis. Para o lojista, o preço médio de suas camisas é de R$ 75. Os ternos estão na faixa de R$ 330 e, as calças, de R$ 75.

REDES SOCIAIS E BLOGUEIRAS

As confecções estão investindo fortemente em redes sociais para a divulgação dos produtos e enviando o tempo todo sugestões de combinações para clientes de todo o Brasil por meio do Whatsapp.

CONFECÇÕES CONTAM COM A AJUDA DE BLOGUEIRAS PARA DIVULGAR AS PEÇAS DE VERÃO

As blogueiras também estão sendo mais demandadas pelas confecções para exibir em suas páginas na internet os últimos lançamentos. “Estamos utilizando todas as formas para divulgar peças da nova coleção”, afirma Lidiane Lima Melo, gerente da confecção Milvest, enquanto envia fotos e mensagens para as clientes pelo Whatsapp.

As confecções e a lojas vão ter de encontrar uma nova forma de trabalhar. Durante décadas, a indústria de roupas fazia apostas em determinados tecidos, cortes, modelos e apresentava a coleção para os lojistas, que, por sua vez, faziam as encomendas das peças e torciam para que todo o volume adquirido fosse vendido durante a estação.

“Em tempos de expansão do consumo, as confecções podiam 'empurrar' a produção para os lojistas, oferecendo descontos para pedidos maiores. Com a demanda aquecida, o risco era pequeno tanto para a indústria como para o varejo. Mas isso mudou. Em vez de adquirir grandes lotes para ganhar descontos, em momentos de crise, o varejo tende a comprar quantidades menores, com maior frequência, evitando riscos e estoques altos. É como se este mercado buscasse trabalhar como os antigos alfaiates, que só produziam o que já está vendido”, afirma Gustavo Carrer, consultor do Sebrae SP.

HABILIDADE NA GESTÃO

A maneira de operar praticamente pelo sistema de encomenda vai exigir, segundo Carrer, muita habilidade de gestão das confecções e das lojas. Como os fabricantes não poderão mais contar com escala de produção, eles terão que acompanhar com muito mais atenção os custos e não poderão mais se dar ao luxo de errar nos modelos. Na prática, eles terão de adivinhar exatamente as peças que vão vender bem na estação.

“O que estamos vendo neste setor é o que chamamos de fast fashion à brasileira”, diz o consultor do Sebrae SP. Fast fashion é o termo usado por grandes magazines para definir a produção rápida e contínua, que permite às redes colocar peças novas nas vitrines toda a semana ou até diariamente. Na Europa, a Zara foi uma das pioneiras a aderir à moda fast fashion.

Um dos grandes desafios das confecções, na avaliação do consultor do Sebrae SP, será observar, no lançamento da coleção, como agora, as peças que poderão ser mais demandas, e reproduzí-las no modelo fast fashion, em lotes menores. E, para isso, é preciso analisar bem os custos de cada modelo, diz Carrer, para ver se vale a pena fabricar.

“A grande verdade é que o confeccionista terá de se aproximar muito mais do varejista para ajustar as coleções. A nova demanda exige que as empresas sejam muito mais ágeis. É uma nova maneira de trabalhar”, diz ele. Esse movimento já vinha acontecendo antes da crise, com a retração de consumo, isso só se intensificou.

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