As lições de uma loja que completa 60 anos na Rua 25 de Março
No Dia do Comerciante (16), a trajetória do Depósito de Meias São Jorge é emblemática do comércio da região central de São Paulo. Na foto, Daniela Dib, representante da segunda geração no comando
É ano de comemoração e de grande desafio para uma das mais tradicionais casas de comércio da Rua 25 de março, no centro de São Paulo, que abastece com estoques de meias e lingeries cerca de cinco mil lojistas de todo o país.
Localizado em frente à Praça Ragueb Chohfi, no número 485, o Depósito de Meias São Jorge completa seis décadas, em um momento em que os maiores concorrentes, que até já passaram dos 60 anos, estão fechando as portas.
A queda de consumo também atingiu as lojas de meias, calcinhas e cuecas. Quando a economia estava em plena expansão era quase impossível andar nas lojas na Rua 25 de Março. Nesta quarta-feira (15), por volta das 10h30, dava para circular sem bater em ninguém pelos corredores do São Jorge.
“As vendas caíram bastante. Este é um ano atípico e muito ruim para a rua em geral. Veja a 25 de Março: está vazia”, diz Daniela Sucar Dib, filha de Salvador Dib, morto no ano passado, que com o irmão gêmeo Feiad fundou a loja, em 1955.
Se depender de Daniela, 43, e do irmão Jorge, 44, representantes da segunda geração de empresários, a empresa está preparada para enfrentar o que consideram “mais uma crise” pela qual passa o Brasil.
Antes que os clientes dessem sinais de que poderiam sumir, os Dib reduziram os estoques, passando a repor as mercadorias exatamente de acordo com o ritmo de vendas.
“Mudamos a forma de operar", diz Daniela. "Antes, trabalhávamos com um estoque para cerca de dois meses de vendas. Hoje, dependendo do produto, reduzimos, o que tornou a empresa mais eficiente e mais saudável financeiramente”, diz Daniela.
A proximidade com os fornecedores também foi outra ação importante para enfrentar este período recessivo. A empresa vende 40 marcas de meias e lingeries e oferece sempre uma promoção para atrair o público.
Para o Dia dos Pais, o cliente que adquirir seis cuecas da Zorba, leva uma gratuita. No mês passado, quem comprava três sutiãs da Liz pagava só dois. “Sempre trabalhamos com alguma oferta. Com a crise, isso está mais forte”, diz Jorge.
A trajetória do Depósito de Meias São Jorge é emblemática do comércio na região central de São Paulo. No Dia do Comerciante, data nacional que se comemora hoje (16), vale a pena relembrá-la.
.SALVADOR DIB, COFUNDADOR (AO CENTRO): AMBULANTE NA DÉCADA DE 50/ÁLBUM DE FAMÍLIA
Os irmãos Salvador e Feiad começaram a trabalhar muito jovens, como ambulantes, para ajudar a mãe Maria, imigrante do Líbano, que veio ao Brasil em busca de melhores oportunidades e ficou viúva quando os filhos tinham apenas dois anos.
Os gêmeos começaram a vender meias em feiras livres, inclusive na Rua 25 de Março, onde também chegaram a morar.
Em 1955 surgiu a oportunidade para abrir a primeira loja em uma galeria próxima à Ladeira Porto Geral. Um pouco mais tarde conseguiram mudar para um ponto mais atraente na Rua 25 Março, onde possuem até hoje dois pontos comerciais.
Daniela e Jorge dizem que todo o conhecimento sobre o negócio foi transmitido de maneira natural, assim como ocorreu o processo de sucessão. Desde crianças, eles e os outros dois irmãos costumavam andar pela loja e acompanhar a forma de trabalhar do pai e do tio.
“Quando entramos na faculdade já fomos convidados a trabalhar aqui. Meu pai dizia: ‘Vocês vão ter a experiência acadêmica que eu não tive. Vão ter a escola de lá e a de cá’”, diz Daniela
Daniela cuida hoje da operação de e-commerce da loja. Jorge, da área financeira e da direção geral. Os outros dois irmãos, Fabiana e Salvador, não estão, neste momento, atuando na empresa.
COMÉRCIO ELETRÔNICO
Quando morava nos Estados Unidos, em 2000, para fazer um curso de mestrado em desenvolvimento de RH com uso de tecnologia, Daniela conseguiu um desconto de US$ 1 mil na compra de um carro pela internet. Isto é, a loja física estava fazendo com que o consumidor optasse pela compra na internet.
“Pensei: se estão vendendo carro pela internet, nós também podemos vender meias no Brasil. Começamos com a internet praticamente com o resto do mundo e isso tem ajudado muito nosso negócio”, diz.
As lojas físicas continuam com maior participação sobre o faturamento total da empresa, que não é revelado para não atiçar a concorrência. O e-commerce, porém, vem ganhando participação.
No início, Daniela imaginou que o e-commerce funcionaria como facilitador de compras para lojistas de fora de São Paulo. Mas não demorou a perceber que o consumidor final está cada vez mais interessado na compra virtual. Daniela estima que hoje a loja já tenha cerca de 150 mil clientes (não lojistas) espalhados pelo país.
Esse número despertou a atenção de fundos de investimento estrangeiros, que já manifestaram interesse em comprar a operação virtual do São Jorge. “Não temos interesse. Somos proprietários ativos e participantes e gostamos de trabalhar. Existe um amor e um carinho enorme por tudo isso que foi criado pelo meu pai e pelo meu tio.”
Assim como o pai e o tio fizeram com eles, Daniela e Jorge também têm levado os filhos, ainda na fase de pré-adolescência, para a loja. "Como é gostoso ver a curiosidade deles." O que eles tentam passar para eles é que tocar uma empresa não é fácil. "Nós nunca sentamos na mesa e ficamos com os pés para cima. Aqui a luta é diária, de segunda a sábado."