Arco Íris, a loja que “colocou cueca em índio”, vai fechar as portas
Queda de vendas, elevada carga tributária e aumento de custos levam a família Parseghian a abandonar, após sete décadas, o atacado de meias e lingeries

Na semana passada, quando se comemorou o Dia do Comerciante (16/07), a reportagem do Diário do Comércio contatou Roberto Parseghian, 45 anos, herdeiro da Arco Iris, em busca de informações a respeito dos planos da septuagenária empresa fundada por seu pai, Sarkis.
Um livro contando a história da empresa, pioneira no ramo de distribuição de meias e lingeries no país, será publicado em breve. Descendente de armênios, Sarkis tornou-se um comerciante bem-sucedido, reinvestindo no negócio e na aquisição de imóveis e no ramo da distribuição de meias. Costumava dizer que a loja, estabelecida na região central, era tão antiga e tradicional que "colocou cueca em índio".
“Você conhece a marca Trifil?", indaga Roberto. Foi a Arco Íris que comprou a primeira máquina para que o imigrante alemão Ludwig Heilbeg, iniciasse a produção de meias no Brasil, em 1963. A Trifil começou pelas mãos da Arco Íris. Ponto.”
O assunto principal da conversa, porém, foi outro. Roberto falou, em tom de desabafo, que até o final de agosto a empresa, localizada há 66 anos em uma das regiões mais populares do comércio de São Paulo, na rua Barão de Duprat, vai fechar as portas.
"Pretendo liquidar tudo até lá", disse Perseghian, sem disfarçar a frustração. "Cerca de 70% do nosso estoque já foi embora nos últimos três meses.”
A decisão de fechar o que foi a primeira e a maior distribuidora de meias e lingeries do país não foi fácil. “Era um assunto que vinha me assombrando há mais ou menos dois anos. Meu pai faleceu há 20 anos. Tive de tomar a decisão sozinho.”
Ele conta que, aos poucos, foi amadurecendo o lado emocional. “Meu lado racional já tinha decidido que o melhor a fazer era fechar a empresa”, diz. Roberto tem duas irmãs que não atuam no negócio.
A Arco Íris possui cerca de 12 mil lojistas cadastrados em todo o país. Mas, nos últimos tempos, somente somente 980 estavam ativos. “Os clientes vêm diminuindo ano a ano", disse.
Foi quando concluiu que legar o negócio para os dois filhos, de 9 e 13 anos, não seria um bom negócio. “Nenhum pai quer deixar um problema como herança para o filho. Nosso setor, do ramo de atacado, desaparecerá neste país.”
A forte retração de consumo contribuiu para a decisão radical, tomada no início deste ano, tal como ocorreu com outros lojistas que, literalmente, entregaram os pontos neste ano em São Paulo.
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O que prejudica fortemente o setor, segundo Roberto, é a elevada carga tributária, que beira os 40% sobre o preço de um par de meia, impedindo a competitição com produtos importados, principalmente da China.
O governo paulista reduziu a base de cálculo de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) de alguns produtos, incluindo meias, fazendo com que a incidência de ICMS reduza de 18% para 7% sobre as vendas, exclusivamente para a indústria. A redução não contemplou atacadistas e varejistas.
A medida, que vigora há anos, e para vários setores, foi uma tentativa de evitar a fuga de indústrias de São Paulo por conta de atraentes incentivos fiscais oferecidos por outros Estados.
Para Roberto, o fato de a redução de ICMS não ter compreendido a cadeia da produção até o lojista, "criou uma verdadeira bagunça tributária" nas relações de compra e venda e não reduz o preço para o consumidor final.
“Se compro um lenço da Presidente, que fica aqui perto, em Mogi-Guacu (SP), a empresa me manda o produto com 7% de ICMS. Se enviar o mesmo lenço, no mesmo dia, para um cliente que fica do lado da Presidente, terei de recolher 18% de ICMS. Isso faz algum sentido?”
Os aumentos de custos para manter a loja aberta também pesaram na decisão de Roberto. De 2009 para 2015, o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) da loja, com cerca de 2 mil metros quadrados, subiu 1.000%. “Foi essa a inflação no Brasil no período? É por causa de tudo isso que estamos fechando a loja”, questiona Roberto.
A boa notícia, segundo ele, é que o ponto comercial pertence à família. No local, o empresário vai erguer um shopping e se dedicar ao ramo imobiliário. Na década de 1980, os negócios da família ocupavam 10 mil metros quadrados na região, entre depósito central e loja. Roberto também chegou a ter meia dúzia de lojas em shoppings e um ponto na rua Oscar Freire.
Roberto possui ainda uma importadora. Da China ele traz meias e lingeries com as marcas próprias Bio Fresh, Bel Cook e Kite Surf. “Nem sei se vamos continuar com a importadora, com esse dólar a R$ 3...”
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