"A crise econômica está pegando o Brasil de Norte a Sul, de Leste a Oeste"
Walter Faria, CEO do Grupo Martins, termômetro do consumo nacional, responsável por abastecer 300 mil varejistas, revela o arsenal de promoções que indústria e comércio colocam em prática para erguer as vendas

Com uma clientela formada por 300 mil varejistas Brasil afora --dos quais 70 mil supermercados, 50 mil farmácias, 30 mil lojas de material de construção, além de padarias e mercearias--, o Grupo Martins, a maior empresa de atacado do país, convocou nesta semana os maiores fornecedores de supermercados do Brasil a se adequarem aos novos hábitos dos consumidores brasileiros.
O aumento da inflação, dos juros e do endividamento das famílias tornou a clientela mais seletiva e cautelosa, que vai com maior frequência aos supermercados do bairro, evita estoques e prefere produtos com embalagens menores.
Além de prestar muito mais atenção em preço, diferentemente do que ocorreu em outras crises que afetaram o consumo, o novo consumidor quer saber mais sobre o custo-benefício de cada produto e busca ofertas casadas do tipo “compre um conjunto de escovas de dente e leve uma pasta”.
“Esse novo consumidor exige uma mudança em toda a cadeia. Não podemos ficar parados”, diz Walter Faria, de 50 anos, CEO do grupo Martins, que projeta faturar R$ 5,2 bilhões em 2015.
Faria esteve reunido com representantes da Procter & Gamble, Unilever, Lenovo, Hypermarcas, Samsung e JBS com o objetivo de armar estratégias para levantar as vendas.
“Não adianta reclamar da economia e do governo. Juntos, temos de encontrar caminhos para melhorar os negócios”, afirma.
Termômetro da temperatura do consumo nacional, o Grupo Martins constatou que a retração econômica é generalizada, mas atinge cada região de forma diferenciada.
A melhora do poder aquisitivo da classe de menor renda e os programas sociais do governo poupam os consumidores do Nordeste, assim como o agronegócio ameniza os efeitos da crise na região Centro-Oeste. “É diferente do que ocorre na região Sudeste, onde a crise já bate forte”, diz.
O novo cenário está exigindo das indústrias, dos atacados e dos comerciantes maior planejamento e ações diferenciadas nos pontos de venda.
A seguir, os principais trechos da entrevista com Walter Faria, CEO do Grupo Martins.
O atacadista Martins abastece 300 mil clientes em todas as regiões do país. A retração econômica atinge todas elas?
A desaceleração econômica é uma realidade e está pegando todo mundo. É de Norte a Sul e de Leste a Oeste do país. Mas existem regiões que estão sentindo um pouco menos, como a Centro-Oeste, em função da atividade agrícola, e a Nordeste, por conta da melhora do poder aquisitivo da classe média e dos programas sociais. A Sudeste já está sentindo bastante. A Sul sente tanto quanto São Paulo, com um agravante: as chuvas estão muito intensas naquela região, prejudicando a agricultura.
Quando a retração de consumo começou a ficar mais evidente para o grupo Martins?
Costumo dizer que foi depois do sete a um da Alemanha contra o Brasil na Copa do Mundo. As vendas de bens duráveis estão bastante difíceis. Começou com carros, e agora atinge televisores, com queda de 15%; geladeiras e lavadoras de roupas, de 25%; e notebooks, de 40%. A comparação é o primeiro trimestre deste ano com o mesmo período de 2014. O celular com tela grande, na verdade, é quase um notebook, e esse pode ser um motivo também pela queda de venda de computadores. Agora, mais recentemente, até quem vende alimentos está sentindo queda de vendas, como acaba de me dizer um supermercadista.
Nos supermercados, quais são as categorias com melhor e com pior desempenho?
Chocolates, leite, bebidas e produtos de higiene e beleza estão bem, isto é, as vendas estão mantidas. No caso de arroz, feijão e iogurte, sentimos uma queda de consumo. Os consumidores estão racionalizando e devem estar trocando o arroz e o feijão por outro alimento, que pode ser a massa. O iogurte grego já ganhou espaço. O que eu vejo é que os consumidores estão limpando a dispensa, diminuindo estoques, comprando com maior frequência e em lojas de bairro. Só que o tíquete médio é baixo. E isso tem efeito em todo o processo da cadeia. Está havendo uma mudança de dinâmica.
Pesquisas indicam que os consumidores já começaram a trocar marcas mais caras por mais baratas. O Martins já sentiu este movimento?
Ainda não. O que observamos é a troca dentro da própria marca. Por exemplo, o consumidor está buscando embalagens menores. Nós somos grandes distribuidores de chocolates da Mondelez. Há grande procura por barras menores. Para ter uma ideia, nós estamos vendendo até o bombom Sonho de Valsa em unidades. Existe a questão de indulgência também, claro. O pensamento é: já que eu não vou conseguir trocar de geladeira e fogão, vou comprar mais chocolate, porque eu mereço. Isso é indulgência, e está existindo.
No interior de São Paulo, segundo alguns lojistas ouvidos pelo Diário do Comércio, a crise está bem mais amena, também por conta do agribusiness. É isso o que vocês notam?
A crise é maior nos grandes centros e isso é reflexo do maior endividamento do consumidor. Pesquisas da Nielsen e da Kantar mostram isso. Sessenta por cento dos consumidores ouvidos em uma recente pesquisa divulgada pela Kantar disseram que estão endividados e que, depois de pagarem o que devem, não vão se endividar novamente. Por isso, a linha de bens duráveis é um problema.
Eles cortaram as encomendas neste ano?
Não cortaram. Os pedidos são semanais ou mensais. O que diminuiu foi a reposição dos produtos. Eles compram, mas em menores quantidades.
Existe alguma categoria que vem se destacando muito neste momento? Que não tenha sido afetada pela crise?
Sim. As vendas de material de construção estão bombando. E não é venda para casa ou apartamento novo, pois não vendemos para as construtoras. É para reformas. Estamos batendo recordes de vendas de ferramentas, lixas, fitas, lâmpadas. São categorias para manutenção da casa. Não vou trocar de casa, mas preciso pintar as paredes, fazer uma pequena reforma. Estamos vendendo muito material de construção em geral.
Algumas pesquisas indicam que o consumido vai diminuir as saídas e comer mais em casa. Isso não é bom para o Martins, já que o grupo abastece muitos pequenos varejistas?
Não há dúvida. O consumidor vai continuar comendo, tomando banho, escovando os dentes. O que vai acontecer dentro do cenário atual é uma acomodação e, para o modelo de negócio do Martins, isso é muito bom, porque esse público que passará a comer mais em casa, vai comprar mais nos supermercados do bairro, abastecidos por nós.
O que os varejistas, os atacadistas e as indústrias estão fazendo para contornar essa retração econômica, essa mudança de hábitos dos consumidores?
As indústrias estão lançando produtos em embalagens individuais na linha do bite size (tamanho de uma mordida). Nós estamos fazendo um trabalho de revisão dos negócios juntamente com os fornecedores por região, canal de distribuição, categorias. Estamos chamando todos os fornecedores para fazerem parte disso. O plano para enfrentar esse novo momento tem de ser feito a quatro mãos. Todos os fornecedores precisam fazer parte disso dada esta nova dinâmica. Não podemos ficar sentados reclamando.
O sr poderia dar alguns exemplos?
No caso de chocolates individuais, já que é para vender em embalagens pequenas, qual é o display que deve ser utilizado e em quais canais de distribuição? Não dá mais para usar caixas. As mudanças são grandes, como chegar até o consumidor? Hoje estive com Procter & Gamble, Unilever, Hypermarcas (30/03) e amanhã (31/03) estarei com Lenovo, Samsung, JBS para rever todos esses planos. Temos de focar em sell out, em plano para atingir o consumidor.
Essas empresas estão com ações promocionais?
Estão sim. Estamos colocando em displays, por exemplo, a cola Super Bonder com o Durepox, azeite com macarrão. As travessas de vidro da Nadir Figueiredo também mostram a receita para fazer o molho da lasanha. Todas essas ações estão acontecendo de três meses para cá. Estamos começando a criar uma comunicação diferenciada no ponto de venda, definindo sortimento por loja, fazendo adequação de categorias de acordo com a necessidade do lojista. Até então, isso não acontecia com todo esse refinamento porque vendíamos tudo. Hoje, não. É preciso planejar melhor, ser mais eficiente, integrar mais a cadeia de demanda. Isso é o que temos falado bastante. Indústria, não venha mais empurrar os produtos. Esta é a grande mudança. Quando a indústria quer vender determinado produto, a pergunta é: para qual cliente, em qual região, com qual promoção? É preciso regionalizar.
As indústrias já estão afinadas com essa situação?
Estão. Hoje, há brindes de incentivo, como camisetas. As indústrias estão utilizando um arsenal completo. Por exemplo, a Samsung lança um novo celular e dá uma capinha grátis, ou lança um tablet com assinatura gratuita de várias revistas da Abril, por exemplo. No caso das Havaianas, estamos pensando em aumentar os displays nas lojas com linhas de produtos de maior valor agregado, colocando até banqueta com espelho para que os consumidores possam experimentar os chinelos. O que tem que vender hoje são aquelas rasterinhas com propaganda na TV, com maior valor agregado. A Havaiana tradicional custa R$ 8,99. A rasterinha, R$ 15,99 ou R$ 16,99.
A Procter & Gamble tem uma estratégia boa. Eles estão ativando lançamentos e promoções entre categorias, como o creme dental Oral B com a escova de dente da marca, o desodorante com lâmina de barbear. Em uma campanha, a P&G tem explicado para o consumidor o benefício de um usar uma lâmina mais cara, que dá para fazer dez barbas, do que a mais barata, que dá para fazer duas barbas. É tudo isso o que estamos discutindo com a indústria. É preciso agregar valor, ser mais didático.
Qual foi o crescimento do grupo Martins nos últimos anos e qual a previsão para este ano?
Nos últimos cinco anos nós crescemos 14% a 15% ao ano (nominal). Neste primeiro trimestre, o nosso faturamento deve fechar 5% abaixo da meta e empatado com o de igual período do ano passado. Já imaginávamos que seria um primeiro trimestre difícil. Acreditamos em uma melhora no segundo semestre.
Para este ano, prevemos crescimento nominal de cerca de 9%. Tínhamos estimado uma inflação de 6,5% para 2015, quando fizemos o orçamento em outubro do ano passado. O crescimento real estimado na época para o grupo seria de 2,5% a 3%. Nosso faturamento, portanto, sairia de R$ 4,8 bilhões, em 2014, para R$ 5,2 bilhões neste ano. Vamos aguardar.
E os investimentos estão mais contidos?
Os investimentos nos últimos três anos têm sido da ordem de R$ 50 milhões anuais. Este ano, estamos rediscutindo esses valores, que devem ficar perto de R$ 40 milhões. Não tem sentido cortar mais do que isso porque temos de modernizar a empresa, não podemos parar a roda. O que está acontecendo este ano é momentâneo. Se forem aprovadas as medidas que o ministro Joaquim Levy está propondo, e o governo fizer o corte de despesas prometido, o consumo deve retomar. O segundo trimestre ainda será duro, mas depois deve melhorar.
O grupo Martins é dono da rede de supermercados Smart pelo sistema de franquia. Quais são os planos para este modelo de negócio?
A rede Smart possui 955 lojas no país, a maioria em Minas Gerais e Na Bahia. São lojas de cerca de 500 metros quadrados, localizadas em bairros. O faturamento da rede é de R$ 6 bilhões por ano. Para este ano, queremos abrir mais 50 lojas no total, dos quais de 15 a 20 lojas em São Paulo, mas na periferia.
O tíquete médio da rede é de R$ 32 a R$ 35, dependendo da região, só que as pessoas vão quase todos os dias nas lojas. A média é duas a três vezes por semana. E já que os consumidores estão indo mais nas lojas, o que vamos fazer? Vamos melhorar as padarias, as barracas de frutas, legumes e verduras, o açougue. Tudo para estimular a venda. Até contratamos profissionais para ajudar com isso.