A arte de reestruturar empresas, fortalecer stakeholders e preservar colaboradores

Ferramentas reorganizam produção e relações comerciais, mas sucesso depende da liderança de gestores

Luís Alberto Paiva
02/Jun/2022
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Mais que substantivos, credibilidade, transparência e liderança são atributos de uma especialização de invulgar relevância no mundo corporativo: a reestruturação de empresas.

Ao contrário do senso comum, reestruturar uma companhia não é necessariamente jogá-la para uma recuperação judicial ou equacionar um contencioso, mas mobilizar inúmeras ferramentas para reorganizar a produção, as relações comerciais e a gestão de pessoas. Não raro, com frequência diária.

Reestruturar é estruturar de novo. Nesse conceito é imperativa a identificação dos stakeholders – as partes relacionadas dentro da empresa – para que o esforço de uma reformulação tenha como resultado maior eficiência e evite que a organização sofra eventual liquidação, ponto de encontro de administrações malsucedidas.

Não há dúvida de que companhias em crise são promotoras de tensão entre as partes relacionadas. Contudo, a tensão pode ser aliviada com o restabelecimento da confiança entre os diversos agentes envolvidos na rotina empresarial que ultrapassa inventários sobre ativos imobilizados ou maquinário. Envolve também profissionais que exigem atenção pelo papel que desempenham ou podem vir a desempenhar. Um quadro de funcionários tem grande capacidade de colaborar numa reestruturação, pois são detentores do passivo, mas têm capacidade igualmente grande de atrapalhar um processo se não tiverem o esclarecimento necessário do planejamento em curso.

Nesse sentido, um ambiente hostil no início de uma reestruturação não deve surpreender uma vez que reestruturar significa rever regras e impor mudanças, inclusive, de conduta. As primeiras reuniões entre as partes envolvidas podem ser vagas, mas são relevantes no processo que demanda maior conhecimento sobre a empresa, sobre os fatos que culminaram na reestruturação e ensejam a execução de um planejamento que, ao fim, mira o reerguimento da empresa.

A ausência de sócios durante a negociação entre as partes não é inusual, inclusive, porque o turnaround pode ser fruto da indiferença do staff sobre a real situação da companhia. Para evitar um contraproducente contágio do descrédito de comandos com baixo comprometimento com o negócio e colaboradores é adequada a nomeação de especialistas em reestruturação que dominem uma comunicação fluente, bem fundamentada e tenham profundo conhecimento do setor de atuação da companhia. É esse personagem, o gestor – especialista ou consultoria – que terá maior exposição e contato com os stakeholders.

Entre procedimentos ou características inerentes à atividade do gestor estão: foco em todas as partes relacionadas sem exceção; compromisso com o melhor resultado; conhecimento técnico para negociação, mediação e gerenciamento de crises; capacidade de identificar quando é necessário tomar medidas duras; e, principalmente, saber avaliar quando torna-se imprescindível mudanças de comportamento para que o planejamento seja executado e tenha sucesso. 

Note, que mudança é um termo tão frequente quanto abrangente no turnaround e produz impacto em todas as partes relacionadas. Sejam eles fornecedores, clientes, financiadores ou colaboradores nem sempre preparados para mudar de papel. Afinal, em um processo de reestruturação todos tornam-se credores.

Dificuldades despontam ao longo do processo e podem ser superadas por um gestor experiente. E mesmo efeitos negativos decorrentes da reestruturação podem ter repercussão positiva com contenção de perdas e sobretudo se a empresa retomar uma rota de prosperidade que beneficiará a todos os envolvidos.

Comunicação objetiva

Mas o processo de reestruturação não é indolor e, particularmente no início, não é imune a confusão. Daí a relevância da boa comunicação e foco do gestor no uso de redes sociais pela empresa e partes envolvidas porque não é trivial o risco de transmissão de informações em grupos com o intuito de banalizar o plano em execução ou a exposição pejorativa da imagem da própria empresa ou de profissionais encarregados de sua reestruturação.

Portanto, para evitar a proliferação de mal-entendidos ou ações de má fé – forças contrárias ao objetivo maior que é restaurar a confiança entre as partes – um projeto de comunicação deve ser estabelecido. E, para maior entendimento com os stakeholders, o gestor deve ser objetivo ao pensar e transmitir as informações especialmente quanto ao trabalho a ser executado; trabalhar com informação de qualidade, levando em conta o fato de que as ideias são expostas a pessoas com níveis culturais extremamente diferenciados; priorizar a transparência e abertura de dados; manter um bom fluxo de informações e operar com discrição para evitar enfraquecer as negociações com divulgações precipitadas.

No turnaround faz-se necessário um direcionamento objetivo de atribuições nomeando-se um dirigente dedicado às tratativas com as partes relacionadas. Algumas empresas atribuem essa missão a presidentes do conselho de administração, enquanto outras mobilizam presidentes executivos, gestores ou consultores que já estão voltados à reestruturação.  

Esse leque de procedimentos é aplicável, em geral, na relação a ser estabelecida com os stakeholders normalmente subdivididos em classes, sendo três de particular importância: fornecedores, clientes e agentes financiadores.

Os fornecedores englobam os estratégicos e os não-estratégicos. Estratégicos são provedores de insumos para reabastecimento da fábrica ou linhas de produção, são reconhecidos como oligopólios e tendem a demorar mais tempo para aderir a um processo de reestruturação.

Os clientes têm extrema relevância. Sem eles a reestruturação perde o sentido. Para essa classe de stakeholder, credibilidade, pontualidade e qualidade nas entregas são condições fundamentais para evitar rupturas que os levarão ao concorrente.

Já os financiadores são uma classe mais complexa de stakeholder, pois com eles as tratativas dependerão do perfil das operações, da instituição e da área atendida. Importante lembrar que os bancos – em posição estratégica devido ao estoque de garantias que possuem – dispõem de interlocutores totalmente diferenciados a depender do porte da empresa envolvida no processo. 

Longe de ser um bicho de sete cabeças, a reestruturação empresarial mescla conhecimento técnico e arte de negociação. Seja qual for a parte envolvida nesse processo – em bloco ou em avaliações individuais – cabe ao gestor ou à consultoria indicar com transparência e objetividade que a alternativa poderia ser um processo falimentar que não interessaria a ninguém.

A reestruturação deve ser vista e compreendida como uma oportunidade para definição de premissas e de modelos de trabalho que evitam perdas e podem perpetuar bons negócios. Uma chance de começar de novo.

**As opiniões expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e não coincidem, necessariamente, com as do Diário do Comércio

 

IMAGEM: Freepik

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