A indústria da moda também quer ser amiga do planeta
Indústria têxtil, estilistas e grandes marcas estão colocando a mão na massa para que toda a cadeia de produção se torne mais sustentável
O que está por vir é um dos temas recorrentes da São Paulo Fashion Week (SPFW).
Nos corredores do evento, os convidados conversam sobre o que os consumidores irão vestir nos próximos meses, qual a cor de maquiagem será tendência, quais modelos irão despontar para uma carreira de sucesso e quais são os próximos passos do setor.
Pensar no futuro também levanta questões: qual será o legado para as próximas gerações? E qual a responsabilidade da moda em relação às questões ambientais? Por isso, sustentabilidade também é um dos assuntos debatidos na semana de moda paulistana.
A indústria têxtil é considerada uma das principais inimigas do meio ambiente. Mais de 8 mil componentes químicos são usados para produzir roupas.
Esses produtos são os responsáveis por diversos processos, como dar uma lavagem desgastada nas calças jeans ou tornar os tecidos mais macios.
O descarte desses materiais é um dos grandes problemas do setor. A indústria têxtil é considerada a segunda maior poluente de águas do mundo. Perde apenas para as petroquímicas.
Em 2014, o número de peças de roupa produzidas em todo o mundo alcançou a impressionante marca de 100 bilhões em apenas um ano, de acordo com o relatório “Style that’s sustainable: A new fast-fashion formula”, da consultoria Mckinsey.
Esse número enorme acompanha uma quantidade ainda mais gigantesca de resíduos, como retalhos de tecidos e restos de zíperes, de botões e de linhas.
O descarte das roupas usadas também é uma questão ainda não resolvida pelo setor: apenas um terço das peças produzidas em todo o mundo é reciclado.
As complicações não param por aí. Denúncias sobre as péssimas condições de trabalho de costureiros são comuns.
Jornadas de mais de 10 horas sem o pagamento de horas extras, locais de trabalho insalubres e condições análogas à escravidão fazem parte do triste cenário.
TECIDOS
A cadeia da moda está se esforçando para desfazer essa imagem negativa e para se tornar mais sustentável.
Um exemplo é a Focus Têxtil, empresa de desenvolvimento e comercialização de tecidos, que estruturou políticas e códigos de conduta para reduzir os impactos ambientais causados pelo negócio.
A companhia concentra esforços em diversas frentes, desde atitudes mais simples, como a redução de consumo dos papéis dentro dos escritórios, até as mais complexas, por exemplo, a auditoria nas fábricas chinesas que produzem os tecidos da empresa.
Paulo Cristelli, gestor de sustentabilidade da Focus Têxtil, acredita que ainda faltam muitos passos para que toda a cadeia se torne sustentável.
“Alguns varejistas estão começando a cobrar uma produção mais responsável. Mas nem todos estão dispostos a arcar com os custos mais elevados”, afirma Cristelli.
O mesmo acontece com os consumidores. Muitos ainda não se importam com a procedência das roupas e, por isso, não querem pagar a mais por uma peça ecologicamente correta. Esse comportamento é um ciclo vicioso que influência todo o setor.
“Se toda a cadeia de produção estivesse comprometida, o volume iria aumentar e consequentemente os preços seriam reduzidos”, diz Cristelli.
Enquanto isso não acontece, a Focus Têxtil cria projetos para estimular a sustentabilidade.
Durante a São Paulo Fashion Week, a empresa exibiu o resultado do Focus Design Visions, projeto que selecionou dez estudantes de moda para criar peças usando restos da produção.
“A ideia é incentivar novos talentos e mostrar que é possível criar peças interessantes utilizando sobras de tecidos”, afirma Cristelli.
CRIAÇÕES
O curador desse projeto foi o estilista Walter Rodrigues. Além de selecionar os participantes, ele foi o responsável por ajudá-los durante todo o processo de criação.
A escolha não foi arbitrária. A sustentabilidade sempre foi um ponto importante na trajetória de Rodrigues.
No ano passado, ele criou um desfile inteiro para o Caxias Eco Fashion, evento realizado em Caxias do Sul, cidade do interior gaúcho, para promover uma moda mais consciente, utilizando apenas resíduos descartados pelas indústrias e pelas empresas da região.
Ele não é o único. Alguns estilistas estão produzindo de forma mais sustentável. O último desfile da marca À La Garçonne, comandada por Fábio Souza e Alexandre Herchcovitch, por exemplo, utilizou plástico verde, que tem a cana-de-açúcar como matéria prima, para a produção de botões e pulseiras.
De acordo com Rodrigues, a moda se tornou uma vitrine privilegiada para o tema da sustentabilidade, principalmente após escândalos envolvendo grandes varejistas como H&M e Zara.
“A moda, devido à velocidade, descarta tudo muito rápido”, afirma. “As marcas estão cada vez mais preocupadas com a publicidade negativa e, por isso, estão mais atentas aos processos de produção. ”
VAREJO
Um dos pontos cruciais para uma transformação mais profunda no setor é justamente a produção em larga escala. As grandes varejistas são consideradas pelos especialistas do setor como o maior desafio.
Durante palestra no projeto Estufa, na SPFW, Jeffrey Hogue, diretor global de sustentabilidade da C&A falou sobre os desafios enfrentados pelo setor para criar uma produção sustentável tanto no aspecto ambiental como no social.
Atualmente, 40% do algodão utilizado pela empresa vem de fontes sustentáveis. Um dos principais recursos é o algodão orgânico, que além de não utilizar pesticidas que são prejudiciais para a saúde dos trabalhadores rurais, ainda consome 90% menos água.
Até 2020, a empresa espera que 100% do algodão utilizado seja sustentável.
O descarte de produções das peças também é uma preocupação da C&A. “Ainda não foi criada uma tecnologia de reaproveitamento de fios em larga escala”, afirma Hogue.
Com base no conceito de economia circular, a empresa está formulando políticas de reaproveitamento de roupas usadas.
Para estimular a criação de novas soluções tecnológicas para toda a cadeia de produção, a C&A deve anunciar nas próximas semanas um projeto para acelerar startups que ajudem a transformar o setor da moda.
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