A difícil briga de João Doria contra os pichadores
Prefeito paulistano enfrenta batalhão anônimo e quase clandestino, enquanto a lei acaba ajudando a emporcalhar a cidade ao não punir os envolvidos com prisão
A primeira tarefa concluída pelo prefeito paulistano João Doria foi, 17 dias depois de sua posse, a limpeza das pichações da ponte Octavio Frias de Oliveira, ou ponte Espraiada, construída sobre o rio Pinheiros.
A limpeza, segundo Doria, nada custou para a prefeitura. Um grupo de empresários doou R$ 900 mil em detergentes, tintas e mão-de-obra.
Mas até que ponto a iniciativa serviria de presságio para que todo o município de São Paulo se veja livre das pichações, que são um dos alvos da chamada Operação Cidade Linda?
A resposta a essa pergunta não é muito boa para o prefeito.
As pichações se tornaram habituais desde o final dos anos 70, como uma forma de (má) intervenção urbana de jovens da periferia.
Culturalmente marginalizados, eles partem para essa linguagem visualmente devastadora e que emporcalha criminosamente a propriedade alheia.
A questão não era propriamente central durante a campanha eleitoral de Doria no ano passado. Ele a abordou em setembro, num debate promovido pela TV Globo.
As pichações, disse, “acontecem com a anuência da prefeitura. Vamos coibir isso. Vandalismo tem que ser tratado como caso de polícia. É uma agressão contra a cidade. Ela [a cidade] tem que ser respeitada."
Em 24 horas os pichadores respondiam ao vandalizarem o Monumento às Bandeiras, no Ibirapuera. O filho do escultor Victor Brecheret, autor do monumento, foi um dos muitos a acreditarem que a pichação fora uma resposta ao então candidato do PSDB.
Ao entregar a ponte Espraiada limpinha (17/01), Doria afirmou:
“Volto a transmitir um recado aos pichadores: mudem de profissão, se tornem grafiteiros, muralistas e venham ser artistas para serem respeitados. Terão apoio não somente da prefeitura, como de toda a população.”
E prometeu que reprimiria os pichadores com a Guarda Civil Metropolitana, Polícia Militar e Polícia Civil.
DRAMA DE UM PAÍS POLARIZADO
Começou, então, uma curiosa campanha contra o prefeito nas redes sociais. Saudosistas do ex-prefeito Fernando Haddad espinafravam a iniciativa de Doria como um ato de “censura”, destinado a coibir a “liberdade de expressão”.
E o acusaram – o que seria historicamente um absurdo – de “higienização”, corrente de pensamento do final do século 19 que defendia, em decorrência de uma suposta superioridade racial, a marginalização dos negros e dos mais pobres.
Uma reação previsível dentro de uma sociedade que sofre da moléstia da polarização política. Afinal, foi Doria (53% já no primeiro turno) quem quebrou o projeto de reeleição de um prefeito do PT (17% dos votos).
Já que Doria era contra os pichadores, os porta-vozes anônimos da chamada “sociedade civil organizada” correram para se posicionar do lado oposto.
Há o precedente da mobilização dos pichadores nos tempos de um outro prefeito. Foi Jânio Quadros, contra quem a pichação atingiu seu pico histórico por volta de 1988.
Cresceram de uma hora para outra os grupos que adotavam a mesma caligrafia, lideranças da periferia, a pichação em locais mais altos e de acesso mais perigoso e, ao seu modo, a aparição de cultuadas estrelas dessa forma de vandalismo.
A questão é abordada no excelente documentário de 60 minutos, dirigido por Roberto T. Oliveira e João Wainer (assista aqui).
Mas o fato é que a teorização sociológica sobre os pichadores acaba sendo uma armadilha, dentro da qual desaparecem a tragédia estética – a cidade fica horrível com esse tipo de rabisco nos muros – e o próprio vandalismo que agride proprietários e locatários de imóveis.
Desconheço estudos sobre o quanto gastam lojistas para periodicamente limparem as fachadas de seus estabelecimentos emporcalhadas por pichadores.
Ou quanto empresários doam, em conjunto, para instituições filantrópicas que recebem donativos quando eles não têm gastos nesse tipo de limpeza. Centenas de milhares de pequenos cartazes espalhados pela cidade informam aos pichadores sobre essa barganha pelo não-emporcalhamento.
A LEI, ORA, A LEI...
Mas vandalismo é crime. O pichador deteriora uma propriedade que não pertence a ele. E pode ser punido por isso.
No entanto, a punição é branda. Vejamos.
A Lei dos Crimes Ambientais (Lei federal 9.605/98) diz em seu artigo 65 que os pichadores estão sujeitos à prisão de três meses a um ano.
Acontece que a prisão inferior a 12 meses pode, segundo o Código Penal, se converter em serviços comunitários ou doação de cestas básicas.
Ou seja, o pichador não vai para a cadeia, o que é para ele um estímulo.
Há dois anos, na Câmara dos Deputados, projeto de Domingos Neto (Pros-CE) tentou passar a pena para dois anos, o que levaria os pichadores efetivamente à prisão.
Mas durante a discussão acabou prevalecendo um substitutivo de Alessandro Molon (PT-RJ), que ameniza a punição, embora obrigue o pichador a indenizar o proprietário do imóvel vandalizado.
O texto não entrou ainda em pauta no Senado. E pode fazer companhia a um outro projeto de 2008, que tentou coibir a pichação por meio da proibição da venda de tintas de spray para menores de 18 anos.
Os muros e paredes de São Paulo começaram a aparecer pichados no final da década de 1960. Era uma única expressão: “cão fila”. Alguns acreditavam que era um código atrás do qual se escondia algum recado político de grupos clandestinos que atuavam contra o regime militar.
Não era porém o caso. Tratava-se de um criador de cães de verdade, proprietário de um canil em São Bernardo do Campo.
FOTO: APOLO SALES/FLICKER/CREATIVE COMMONS