O carro elétrico é nosso
Pode parecer ficção econômica, mas se o governo sobretaxar o carro elétrico para que ele não concorra com o caríssimo petróleo do pré-sal?
(com Reinaldo Bedim, da UFRJ)
Bisbilhotando o noticiário recentemente, chamou-nos atenção uma manchete da seção de tecnologia. Dizia algo do tipo: Apple pretende lançar carro elétrico próprio até 2020.
Ao clicar na chamada, descobre-se que a empresa do pecado original está, supostamente, desenvolvendo o “Idrive” – nossa sugestão para o nome – em segredo e já teria arrebanhado uma plêiade de cabeças consagradas para a empreitada.
Outras empresas do setor já entraram, inclusive, com processos judiciais alegando assédio a funcionários. As firmas estabelecidas estão preocupadas com a concorrência de peso que se avizinha, embora ainda pairem dúvidas sobre a capacidade competitiva da Apple nesse novo ramo de atividade.
E o Kiko? Bom, para além da novidade futurística e da anunciação do acirramento de uma corrida tecnológica com potencial de alterar os padrões automotivos mundiais, um pensamento, digamos, mais nacionalista passou por nossas cabeças.
Trata-se de uma preocupação com o nosso “bilhete premiado”: o pré-sal.
Pelos idos de 2007, a Petrobrás anunciou, com toda a pompa merecida, a chegada de uma nova era. A empresa que orgulha (ou orgulhava?) a Nação descobriu reservas gigantescas do ouro negro em território tupiniquim. Um eldorado, bem escuro, entretanto, se anunciava.
Não é necessário prender-se aos detalhes mais bocós do pré-sal, como a escolha tecnicamente imbecil do modelo de partilha ou os gastos bilionários da estatal com os subsídios no mesmo momento em que a empresa necessita de mais caixa para fazer volumosos investimentos. Fiquemos no aspecto mais conjuntural.
O custo de produção do pré-sal é alto e precisa, portanto, de um elevado preço do barril de petróleo para se viabilizar. Todo o cálculo econômico da odisseia foi realizado com o preço da commodity nas nuvens.
Com o aparecimento de fontes alternativas, com destaque para o shale gas (gás de xisto), a OPEP, especula-se por aí, decidiu aumentar a produção para reduzir o preço global e desestimular a prospecção dos concorrentes potenciais.
Dizem, o pré-sal já estaria no limite da viabilidade econômica e a tendência ainda seria de queda do preço do barril nos anos vindouros.
Pois bem, para melhorar o cenário nada alvissareiro, pensemos no que acontecerá se a principal e mais lucrativa demanda por petróleo – a demanda por combustível – tomar um tombo sem precedentes por conta de uma mudança tecnológica daquele porte. O que será de “nozes”?
Temos um palpite. O governo instituirá um imposto proibitivo sobre os veículos elétricos. As desculpas serão as mesmas de sempre: proteger a indústria nacional e preservar empregos.
Dependendo do nível de alucinação no qual o debate público se encontrar, ainda ouviremos, em embates fora dos DCEs universitários, que as nações imperialistas querem arruinar a nossa grande petrolífera e, de alguma forma obscura, com provável participação da CIA e/ou do Mossad, roubar nossas riquezas.
Lembram-se da Alca? Pois é... Ninguém quer ser quintal dos EUA. Vejam, por exemplo, como o Canadá está decrépito. Já Cuba, ao contrário, é o experimento mais bem acabado de como meio século de isolamento em relação ao Tio Sam traz progresso a um país.
E depois? Alguma coisa precisará ser feita em nome do “interesse nacional”!
Virá, portanto, a gloriosa “Política Nacional de Desenvolvimento da Indústria Automotiva Movida a Energia Elétrica”, PNDIAMEE, que também será anunciada com toda a pompa merecida (ou imerecida?).
Como somos pomposos! Após muitas reuniões sérias (ou involuntariamente cômicas, dependendo do ponto de vista), emergirá a vetusta solução: é necessária uma nova (ou velha?) política de “substituição de importação”!
Para tal auspício, os imperialistas (sempre eles!) serão convocados. Mas isso deverá ser feito, dirão os especialistas governamentais, de forma a garantir que haja “transferência de tecnologia”.
Afinal, todo mundo sabe que a tecnologia é uma invenção do “mundo desenvolvido” para oprimir a nós, vítimas do subdesenvolvimento.
Então, o “capital estrangeiro”, que detém a tecnologia, será chamado a compor uma trinca com o “capital nacional”, que detém as amizades, e o “capital público”, que detém o aparentemente inesgotável bolso dos pagadores de impostos.
Tudo isso no PAC 18 ou no 14º PND. Será criada a “Carroeletricobrás” – nunca “Carroeletricobrax”, alcunha de entreguista neoliberal – que produzirá, depois de bilhões de dinheiro público investidos, um veículo caro, feio, ineficiente e ruim.
Será uma espécie de Cobra Computadores misturada, talvez literalmente, com Petrobrás/Eletrobrás. Isso se essas duas já não estiverem falidas. Um novo orgulho nacional! Sugerimos o slogan: “O Carro elétrico é Nosso!”
“E o polvo?”, indagaria um aficionado por moluscos cefalópodes. Ora, o povo vai pagar a aventura. Como sempre. Primeiro, financiando tudo e depois sendo obrigado a comprar as carroças produzidas. Todo o risco incluso.
Já os ricaços importarão versões que funcionem do “estrangeiro”. Não será uma maravilha? Tudo em prol dos “mais necessitados”!
Lendo a matéria sobre o “Idrive”, conseguimos vislumbrar um carro sem volante ou pedais. Um automóvel touchscreen! Pesquisando um pouco mais sobre o assunto, descobrimos que as especulações são, na verdade, se o veículo terá a necessidade de motorista ou não.
Enquanto escrevemos, lembramos que já temos o “trio elétrico”, o que é quase a mesma coisa. Se ficar parado, também não precisa de motorista.
Viva o Carnaval! Viva o pré-sal! Viva o carro elétrico!
p.s: Ridendo castigat mores. “Com o riso, se castigam os costumes”. Esse texto também é uma resposta humorística ao cínico “ato em defesa da Petrobras” organizado por Lula e seus asseclas. Ninguém aguenta mais o costume petista de acusar os outros do que eles próprios fazem.