Imaginando uma Escócia independente
Os bancos escoceses não são realmente tão escoceses assim — já que grande parte dos seus donos e negócios tem sede fora da Escócia e, por isso, são na realidade ingleses
Mervyn King, ex-presidente do Banco da Inglaterra (na foto acima), esteve em Princeton recentemente onde fez uma palestra por ocasião da Frank D. Graham Memorial Lecture, abrindo ao mesmo tempo uma crise de tecnologia: sua apresentação não era em PowerPoint. Ele pediu então um púlpito, mas Princeton não tinha um para lhe oferecer.
King disse muitas coisas interessantes — e pegou pesado com os gestores de políticas da zona do euro. Além disso, para minha surpresa, vi que era solidário à liderança grega atual. Mas, como sou especialista em economia internacional, para mim a parte mais interessante da discussão foi a hipótese de uma Escócia independente cuja moeda seria a libra.
Já escrevi bastante sobre isso anteriormente e, em vista dos meus antecedentes, analiso a questão pela lente da teoria da área monetária ótima.
Essa teoria se preocupa, principalmente, com a dificuldade de se responder aos choques assimétricos — um colapso na Espanha, por exemplo, enquanto a economia alemã prospera.
Sabemos, ou achamos que sabemos, que quando alguma coisa acontece, a integração fiscal é crucial — a Flórida, por exemplo, conta com Washington para o pagamento de aposentadorias e de assistência médica, mas a Espanha não tem nada parecido com que possa amortecer o impacto desse tipo de coisa.
A experiência da Europa, desde 2009, também fez com que nos preocupássemos com a integração bancária, ou com a falta dela.
O que King disse, porém, (depois que eu o pressionei um pouco), foi que problemas desse tipo são relativamente pouco importantes no caso da Escócia. Os bancos escoceses, disse ele, não são realmente tão escoceses assim — já que grande parte dos seus donos e negócios tem sede fora da Escócia e, por isso, são na realidade ingleses. Desse modo, eles conservariam os privilégios de emprestador de última necessidade do Banco da Inglaterra e seriam socorridos, se necessário.
King disse também que o ciclo de negócios da Escócia está intimamente ligado ao resto do Reino Unido, de tal maneira que choques assimétricos do tipo experimentado pelos países da zona do euro —ou regiões dos EUA— seriam de menores proporções.
Que coisa interessante. Lembro-me perfeitamente que no início da década de 1990, muitos defensores do euro nos garantiam que os choques assimétricos não seriam problema algum. Na verdade, a alta e o colapso dos fluxos de capital no interior da Europa foram a origem de todos os choques assimétricos.
Por outro lado, a Escócia não dispõe de muitas propriedades litorâneas em regiões quentes com as quais as pessoas possam especular.
UMA TRISTE PERDA PARA A ECONOMIA
Nota de pesar: faleceu no dia 2 de abril José da Silva Lopes, economista português e funcionário do governo cuja atuação foi imprescindível para que Portugal ingressasse na comunidade da Europa democrática.
Conheci Silva Lopes em 1976. Na época, eu fazia parte de um grupo de alunos da graduação do M.I.T. que passavam o verão trabalhando no Banco de Portugal, do qual ele era presidente na época. Já escrevi sobre essa minha experiência do passado.
Gostaria apenas de acrescentar que trabalhar com Silva Lopes foi um dos pontos altos daquele momento — embora ele provavelmente tenha ficado horrorizado de ter de lidar com um bando de estudantes sem modos ao mesmo tempo que tinha de dar conta do caos de um sistema político ainda instável, mas ainda assim ele o fez com bom humor e inteligência inesgotáveis.
Lembro que trabalhávamos em uma sala alugada fora do banco, e no andar de cima ficava uma missão comercial soviética. Uma vez, brincando, dissemos a ele que os russos podiam estar nos espionando, ao que ele respondeu: "Pouco me importa o que os russos possam descobrir; é com a imprensa que me preocupo!"
Em outra ocasião, a observação que Silva Lopes fez a respeito do volume de reservas em moeda estrangeira — "Se eu tiver seis meses de reservas é o mesmo que não ter reserva nenhuma" — foi inspiração fundamental para meu primeiro trabalho sobre crises monetárias.
Lembro-me também que, na época, Portugal era uma nação de baixos salários na Europa, por isso exportava muito vestuário. Silva Lopes disse então: "Não somos uma república das bananas, somos uma república de pijamas."
Nos anos que se seguiram, Silva Lopes acrescentou outros sucessos à sua ilustre carreira — mais do que eu sabia, confesso envergonhado: foi ele quem liderou, por exemplo, as campanhas de reforma fiscal, entre outras. Senti-me honrado e encantado de vê-lo novamente há dois anos, quando estive em Lisboa para receber um título honorário, ocasião em que pude ouvi-lo fazer novamente suas observações. Basta lê-las (aqui: bit.ly/1yaSSFA) para ver que ele continuava tão contundente e bem-humorado como sempre.