A ditadura que nos oprime
A justiça, pela sua mais alta corte, curvou-se à vontade do poder político, colocando representantes seus ao largo da Lei
Rui Barbosa disse que a pior ditadura é a do Poder Judiciário, pois contra ela não há a quem recorrer.
Uma interpretação apressada dessa assertiva pode nos dar a impressão de que o poder judiciário é capaz per se de impor uma ditadura, algo que não resiste a uma análise mais acurada.
Uma ditadura, mesmo uma nominalmente judiciária, não se define pela justiça que ela impõe. Todos os regimes têm a sua justiça, estruturada desde a sua mais alta corte.
O que os distingue como democráticos, autoritários ou totalitários é a aplicação isonômica da Lei. É isso que define o Estado de Direito.
O Direito existe para proteger os indivíduos, uns dos outros, e, acima de tudo, do Estado, que pelo enorme acúmulo de poder delegado pela sociedade pode se tornar justamente na maior ameaça a ela própria.
Personalidades notáveis de momentos trágicos do terrível século XX deixaram-nos lições definitivas a esse respeito, codificadas em obras memoráveis.
Um exemplo é o livro de Jeanne Hersch sobre Karl Jaspers (Editora UnB, 1982), no qual a filósofa suíça historia como o diagnóstico por ele traçado da situação que levou ao nazismo lhe deu autoridade para propugnar pela conversão moral de sua pátria, o único caminho para a redenção da culpa da Alemanha pela guerra e pelo Holocausto.
Um dos mais percucientes trechos da análise de Jaspers sobre a derrocada da República de Weimar é aquele em que o filósofo categoricamente rejeita “assemelhar a democracia àquilo que chamava de oligarquia dos partidos, em luta uns com os outros, porém solidários na caça ao voto. Apoiam-se no Estado, em vez de o servir. Subordinam o Estado aos interesses comuns dos políticos de profissão” (p.51).
Não há a menor dúvida de que existe no Brasil uma oligarquia de partidos à qual se aplica perfeitamente o diagnóstico de Jaspers.
Mas o maior problema do País se revela no real significado da assertiva de Rui: como o Poder Judiciário aplica a Lei. A injustiça na distribuição da justiça não está nesta, mas sim no poder que lhe dá origem e ao qual ela serve.
Esse é o pior sinal que se extrai da decisão do STF no último dia 11 e da tramoia que se arma para a votação no Senado no próximo dia 17.
A justiça, pela sua mais alta corte, curvou-se à vontade do poder político, colocando representantes seus ao largo da Lei.
Claro que não a do jurisdicismo que blinda mandatos bandidos, mas a Lei que ainda pode salvar o País do poder no qual verdadeiramente se radica essa justiça injusta.
A corrupção, a ditadura que nos oprime.
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FOTO: Polícia Federal/Divulgação