De Simonal a Vitor e Léo, o chapéu sobrevive na rua do Seminário
Até o início da década de 1970, a via, no centro, era o ponto preferido de quem queria comprar chapéus. Hoje, apenas uma loja continua forte na venda do produto, que depende das celebridades para sobreviver
Foi o ex-presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt, quem se deixou fotografar pela primeira vez com um exemplar no canal do Panamá, em 1906. Feito à mão, com fibras de palha branca, o chapéu na verdade sempre foi fabricado no Equador.
O chapéu Panamá ganhou este nome porque era usado pelos operários que construíram o canal. Depois de Theodore Roosevelt – não confundir com Franklin Delano Roosevelt, que governou os EUA de 1933 a 1945 -artistas de expressão da época, como os atores Clark Gable e Humphrey Bogart, eternizados como protagonistas de Gone With the Wind e Casablanca, passaram a usar o adereço, não apenas no dia-a-dia como também quando encarnavam seus personagens.
Tom Jobim, Michael Jackson e Madonna também aderiram à moda e passaram a desfilar com seus vistosos panamás.
No Brasil, figuras carimbadas como os sertanejos Vítor e Léo, os cantores e atores Sérgio Reis e Tony Tornado e os integrantes da banda de forró eletrônico Calcinha Preta gostam de aparecer em público e nos shows com o chapéu Panamá na cabeça.
Até políticos como o ex-presidente Lula e apresentadores como Jô Soares gostam de proteger a cabeça com chapéus. Lula mantém uma coleção em sua casa em São Bernardo do Campo.
Na hora de comprar o Panamá ou qualquer outro tipo de chapéu, ou até mesmo boné ou boina, este pessoal sabe onde encontrar. Em São Paulo, a rua do Seminário, no centro, nas proximidades do Vale do Anhangabaú, segue sendo o ponto preferido de quem quer proteger a cabeça, claro, com elegância.
A rua já teve muito mais lojas especializadas nos adereços. Até o início da década de 1970, o cliente podia escolher uma das mais de duas dezenas de chapelarias da região. Hoje, a maioria delas fechou a porta.
INSTRUMENTOS MUSICAIS
Algumas se especializaram na venda de instrumentos musicais. Apenas duas lutam bravamente para satisfazer a clientela. Uma delas, a mais forte, é A Esquina Chapelaria. A outra, bem menor e com menos variedades, tanto de chapéus, como de bonés, boinas e sapatos, é a Chapelaria Ópera.
Até o final dos anos 50, a demanda por chapéus era enorme em São Paulo. Muitas cabeças a cobrir. A partir de então, o chapéu foi saindo de moda e deixou de ser uma peça obrigatória do vestuário masculino.
Começou a ser visto como necessidade só para se proteger do sol ou em ocasiões de gala. Depois, nem eventos de gala exigiam mais o adereço.
Uma das mais tradicionais, que ficava no número 94 da rua Quintino Bocaiúva, na Sé, a Chapelaria Paulista, não existe mais desde 2015,
Foi inaugurada em 1914, pelo italiano Umberto Zucchi, e virou símbolo da elegância do paulistano. Era lá que os escritores Monteiro Lobato e Mário de Andrade e os políticos Prestes Maia, ex-prefeito de São Paulo, e o ex-Ministro e Senador Paulo Brossard, protegiam elegantemente suas cabeças.
EL SOMBRERO
Outra chapelaria muito famosa em São Paulo, a El Sombrero, que também era na rua do Seminário, faliu em 2013, após 78 anos de ótimos serviços.
Mas o chapéu, que acabou por se tornar ao longo dos tempos um sinal de poder, não ficou apenas no imaginário de quem viu figuras históricas como Charlie Chaplin, com seu chapéu-coco, Carmen Miranda, ostentando o tutti-fruti, ou Edouard Manet, de cartola.
Logo na entrada de A Esquina Chapelaria, eles estão lá na vitrine, charmosos.
Luciano Kirszenworcel, dono da loja, é formado em engenharia civil e chegou a exercer a profissão na Gafisa.
Aos 49 anos, conta que preferiu seguir os passos do avô, Samuel, que desembarcou em são Paulo em 1930. Veio da Polônia que, como toda a Europa, sentiu os efeitos danosos do crack da Bolsa de Nova Iorque.
Luciano conta que Samuel chegou ao Brasil em 1929 com U$ 40 no bolso. Foi ser mascate no centro da cidade. Vendia roupas que levava dentro de uma carroça.
Cinco anos depois, alugou uma lojinha no antigo terminal de ônibus que ficava no Largo do Paissandu. Era a Ao preço baixo, que vendia boinas, suspensórios e gravatas. Só depois começou a vender chapéus.
Samuel morreu em 1988. Quem assumiu os negócios foi José Paulo, o pai de Luciano. Com a morte prematura do pai, em 98, coube a Luciano a tarefa de assumir o comando da loja, que já havia mudado o nome para A Esquina Chapelaria.
“Aqui nós vendemos sapatos, camisas sociais, carteiras, bolsas, enfim, uma infinidade de produtos, mas o nosso forte continua sendo o chapéu”, diz Luciano. A loja chega a vender em média 400 chapéus por mês.
O chapéu Panamá, original, mais caro, custa R$ 380,00. O similar, fabricado no Brasil, pode ser comprado por R$ 170,00.
“Mas ninguém diz que o brasileiro não é o Panamá legítimo”, afirma.
Ainda menino, Luciano já frequentava a loja. Ia com o pai. Viu várias vezes José Paulo receber a visita de Wilson Simonal, o cantor de muita ginga e balanço, que fez sucesso nas décadas de 1960, 1970 e 1980, e morreu em 2000.
“O Simonal aparecia sempre aqui e saía para jantar com meu pai”, conta Luciano.
Ao usar chapéus, Simonal influenciou gerações.
E é pela influência de astros da televisão e do cinema que o chapéu pode ter perdido a força que tinha, mas não desapareceu. E nem vai desaparecer. Justin Randall Timberlake, músico, cantor, dublador, produtor musical, multi-instrumentista e empresário norte-americano, gosta de usar chapéus.
O efeito é imediato sempre que ele surge na telona usando um determinado tipo de chapéu.
“Não só ele, mas o ator irlandês James Farrell (estrela de filmes como Minority Report, Alexandre, Miami Vice, O Novo Mundo e Fantastic Beasts), também colabora com a venda do produto. Basta aparecer em seus filmes usando um modelo diferente para as pessoas aparecerem por aqui para comprar algo parecido”, afirma Luciano.
As boinas, inglesas, francesas, espanholas, italianas, e os bonés, de feltro, algodão e de pescador, também são muito procuradas na loja.
FOTOS: Divulgação
ARTE: Guto Camargo/Diário do Comércio