Bolsa assume o topo do ranking, após três anos de quedas
Com a surpreendente valorização de 38,94%, o Ibovespa obteve, disparado, a maior rentabilidade entre os investimentos neste ano. E em 2017, como vai se comportar o mercado? Ouvimos os especialistas
Por Karina Lignelli e Rejane Tamoto*
Apesar das oscilações ao longo do ano, e de fechar dezembro em queda de 2,71%, aos 60.227 pontos, o Ibovespa encerra 2016 no topo do ranking de investimentos, com alta de 38,94%.
Com isso, o índice das ações mais negociadas e de empresas de maior valor de mercado da bolsa interrompe um ciclo de três anos de quedas consecutivas, surpreendendo os investidores.
Foi, disparado, o maior ganho entre as modalidades de investimentos, bem acima, por exemplo, dos fundos de renda fixa, que renderam 14,3%.[Veja o quadro abaixo]
Em dólar, o valor de mercado da bolsa brasileira obteve a maior alta da América Latina, de acordo com a consultoria Economática. Até quarta-feira 28, havia subido 55,09%, para US$ 706,77 bilhões.
Tal desempenho é resultado da mudança de governo, da nova política econômica e da renovação na gestão das estatais, como Petrobras, Eletrobras e Banco do Brasil, que têm grande peso na bolsa. É o que afirma Silvio Campos Neto, economista da Tendências Consultoria Integrada.
"O mercado antecipou as expectativas com a mudança de governo e retomada da economia", diz Campos Neto. "Também houve um movimento positivo em relação às commodities, o que beneficiou o mercado brasileiro."
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Para Fabio Colombo, gestor de investimentos responsável pela elaboração do ranking, o ano se encerra sob um clima de maior otimismo, o que empresta ânimo ao mercado.
A razão disso, segundo ele, é que, em contraste com o governo Dilma, prevalece atualmente uma linha clara de atuação na política econômica.
Uma surpresa positiva foi a velocidade de aprovação de medidas de austeridade muito fortes (como a PEC do teto de gastos públicos), afirma, lembrando que, nesse cenário, os ativos mais favorecidos foram a bolsa e as aplicações a juros.
No caso da bolsa, especificamente, desde o final de 2015 observava-se um grande espaço de recuperação devido aos preços muitos defasados das ações, que persistem, e, na visão de Colombo, devem dar continuidade no processo de valorização do Ibovespa no próximo ano.
Essa perspectiva dependerá de fatores como avanço na direção do ajuste fiscal e nas reformas da previdência e trabalhista. “Os riscos estão na área política devido à Operação Lava Jato, caso tenhamos nova paralisia ou mudança de governo”, afirma.
De modo geral, os mercados deverão continuar voláteis em 2017, segundo Colombo, não somente pelas incertezas econômicas e políticas internas, mas também pelas interrogações que pendem sobre o governo do futuro presidente Donald Trump e à anunciada elevação dos juros nos Estados Unidos.
Em relação às aplicações a juros, como CDBs e Fundos DI, que fecharam o ano em 14,16% e 13,22%, em média, os ganhos reais foram melhores em 2016, na faixa de 2,5% a 4% ao ano (descontadas taxa de administração, imposto de renda e inflação).
Já os títulos indexados ao IPCA, que mesclam juros e variação da inflação, obtiveram rentabilidade de 13,45% e continuam sendo uma opção interessante de longo prazo, de acordo com Colombo.
Para 2017, porém, a redução prevista da taxa Selic, devido a um provável recuo da inflação e da recessão, devem levar os juros reais líquidos a patamares inferiores, diz Colombo.
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Quanto aos fundos cambiais, bastante prejudicados pela forte valorização do real – principalmente no caso do dólar, que começou o ano cotado em R$ 3,96 e encerra a R$ 3,26 -, devem se manter estáveis em 2017, principalmente se o governo obtiver êxito nos ajustes fiscais.
Para o investidor, podem ser opções interessantes de diversificação de portfólio, como seguro de parte do patrimônio (entre 10% e 20%), caso a crise política se agrave ou o dólar se fortaleça frente às principais moedas do exterior, orienta Colombo.
CAUTELA NO COMEÇO DE 2017
Apesar deste ano terminar com uma certa dose otimismo em razão do andamento de reformas pró-mercado pelo governo Temer, será preciso cautela para tomar riscos na hora de investir, especialmente no primeiro trimestre de 2017.
É o que diz Raymundo Magliano Neto, presidente da Magliano Corretora. Segundo ele, ainda há muitas reformas que precisam passar pelo aval do Congresso e, assim, muitas negociações no início do ano.
Pende também a sombra do julgamento da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer no TSE, o que pode provocar nervosismo no mercado.
“Além disso, no dia 20 de janeiro, Trump assumirá a Presidência dos Estados Unidos e só então poderemos acompanhar as primeiras medidas”, afirma.
A expectativa é que o novo presidente americano adote medidas que aumentarão a inflação e, consequentemente, irão estimular o aumento da taxa de juros -o que pode gerar uma saída de recursos de emergentes.
Como esses fatores na política econômica interna e externa estão cercados de incertezas, a recomendação de Magliano Neto é adotar uma atitude mais defensiva, ou conservadora, na hora de investir.
No início do ano há expectativa de muita volatilidade na bolsa de valores e, mesmo com a possibilidade de ganhos, eles não devem ser maiores do que os obtidos em 2016.
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Quem também considera que a bolsa pode até subir, mas não na mesma intensidade de 2016 é Samuel Torres, analista da Spinelli Corretora.
Por isso, Magliano tem recomendado a clientes, especialmente de perfil mais conservador, que vendam ações que já proporcionaram um lucro significativo.
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No início do ano, a seu ver, será preciso ser muito seletivo e buscar ajuda de analistas antes de assumir posições, uma vez que papéis de empresas e setores considerados defensivos também podem passar por solavancos em função de mudança de regras que podem vir a ser anunciadas pelo governo.
Um dos casos por ele citado refere-se à ação da Cielo, que chegou a cair 5,92% com o anúncio pelo governo da regulamentação de uma prática no comércio, que é a de oferecer descontos para os pagamentos à vista, anunciada no dia 15 de dezembro.
Com tantas incertezas, que incluem as que podem vir do exterior, ele também tem recomendado uma postura mais cautelosa na renda fixa, em aplicações pós-fixadas (que remuneram conforme a variação de um índice).
“Ainda há instabilidade no começo do ano, até fevereiro e março. O ideal é deter aplicações que permitam a mudança de posições”, afirma.
Na hora de avaliar as aplicações em renda fixa é preciso fazer as contas, segundo Torres, da Spinelli. A principal delas diz respeito à equivalência de taxas, que mostra qual é o rendimento líquido da aplicação, descontando os impostos.
“Há boas alternativas isentas de Imposto de Renda, como as letras de crédito e certificados de recebíveis (ambos do setor imobiliário e do agronegócio), que estão mais atrativas do que os títulos públicos, se considerados os impostos.”
Mauro Mattes, gerente de investimentos da Concórdia Corretora, observa que, apesar da trajetória de redução da taxa básica de juros ser esperada para 2017, ela permanece em patamar elevado.
Assim, considera as oportunidades de investimentos em títulos públicos do Tesouro no primeiro semestre do ano. Para os mais conservadores, diz, uma boa alternativa é manter posição em pós-fixados.
Já para os moderados, segundo ele, a recomendação tem sido a diversificação, mesclando títulos que pagam a Selic com os prefixados (cuja remuneração já está definida no ato da aplicação).
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“Dependendo do prazo que cada um tem e para os mais arrojados é possível mesclar com títulos privados, como debêntures de infraestrutura, letras de crédito e CDBs, que costumam ter taxas atrativas e prazos de resgate maiores”, afirma.
Para esse mesmo perfil de investidor, especialmente para os que dispõem ainda de mais tempo para resgatar o dinheiro da aplicação, Mattes também recomenda estudar os fundos imobiliários.
Segundo o índice que acompanha o desempenho dos fundos imobiliários na bolsa, o Ifix, a alta foi de 32,5% de janeiro até o dia 23 de dezembro. É sempre importante lembrar que o retorno passado não garante ganhos futuros.
Para Mattes, se a taxa de juros continuar em queda, devem ser favorecidos especialmente os fundos imobiliários que tem na sua composição Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) – os chamados fundos de recebíveis.
“Mas essa opção é para quem realmente tem prazo, já que não observamos a mesma valorização de 30% para esses fundos em 2017. O mercado imobiliário depende da recuperação de indicadores que ainda não pararam de piorar, como emprego e renda”, afirma.
*Com Estadão Conteúdo
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