Três pistas para entender a desigualdade de renda no Brasil
Novos estudos corrigem as distorções constatadas quando os brasileiros mais ricos são entrevistados pela Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (Pnad), do IBGE
Três estudos põem o dedo nas duas feridas doloridas da sociedade brasileira: a pobreza e a desigualdade de renda.
São, pela ordem:
1) trabalho do sociólogo Pedro Souza (Ipea e UnB), mostrando que, entre 2016 e 2013, se manteve a desigualdade de renda;
2) dados mais recentes do FGV Social, demonstrando que, com a recessão, 6 milhões voltaram à pobreza; e
3) estudo da instituição dirigida pelo economista francês Thomas Piketty, revelam que os mais ricos abocanharam uma parcela maior que os mais pobres, na riqueza gerada entre 2001 e 2015.
Uma ressalva inicial. Não se trata de uma discussão política para saber se o Partido dos Trabalhadores “enganou” a população, ao afirmar que a diferença entre ricos e pobres diminuiu durante os governos de Lula e Dilma (2003-2016).
A questão é bem mais técnica, e envolve o perfil de um mercado, que efetivamente cresceu antes que a recessão se instalasse.
Para um lojista, por exemplo, interessa muito mais a afirmação do especialista Marcelo Neri, diretor do FGV social, um periscópio sobre a renda instalado no Rio de Janeiro.
Ele disse à Folha nesta segunda-feira (18/09) que entre 2003 e 2014 o varejo cresceu 112%, número bem superior aos 62% de aumento da renda média dos brasileiros ou de 28% do aumento do PIB.
Ou seja, os brasileiros, sobretudo os mais pobres, passaram a comprar mais, e é isso que prioritariamente interessa.
O problema, no entanto, está em saber se o crescimento do varejo poderia ser maior, caso a distribuição de renda não fosse tão visceralmente desigual.
OS NÚMEROS DO IBGE
O país tem a sorte de possuir uma instituição com o apartidarismo e o padrão técnico do IBGE, que desde o censo de 1960 também registra a renda dos brasileiros.
E que publica periodicamente a Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (Pnad), uma referência para o mercado e para os estudos acadêmicos.
Pois bem, pela Pnad, a renda dos 10% mais ricos diminuiu entre 2001 e 2014. Eles tinham 47,4% das riquezas, e passaram a ter 40,9%.
Esses dados foram obtidos por meio de entrevistas. Mas nem sempre por má vontade ou segundas intenções, os mais ricos deixam de atender os pesquisadores ou então omitem a renda que recebem de aluguéis, investimentos ou dividendos de empresas.
Ou seja, o retrato obtido pelo IBGE poderia, teoricamente, subestimar o tamanho da riqueza dos mais ricos.
O que foi confirmado na prática, de acordo com pesquisa publicada pelo sociólogo Pedro Souza. Ele procurou corrigir a subnotificação dos mais ricos, por meio de dados do Imposto de Renda das pessoas físicas.
Esses dados estão disponíveis apenas a partir de 2015, quando a Receita Federal passou a coletar informações para esse tipo de estudo.
Entre 2006 e 2013, os 15% mais ricos permaneceram como donos de uma parcela ligeiramente maior das riquezas. Os mais pobres ganharam espaço – formalidade do emprego, 50% do aumento real do Salário Mínimo -, mas os mais ricos não saíram perdendo.
Esse mesmíssimo fato foi retomado pelo economista Marc Morgan, do World Wealth and Income Database, o instituto dirigido por Piketty.
Duas constatações do trabalho, que também corrigiu os números da Pnad pelos dados do IR das pessoas físicas.
Primeira: os 10% mais ricos, entre 2001 e 2015, passaram de 54% para 55% da renda nacional. Os 50% mais pobres passaram de 11% para 12%, e a faixa intermediária perdeu 2 pontos percentuais.
Segunda, e muitíssimo mais importante: com a expansão econômica do período, os mais ricos ficaram com 61% das novas riquezas, enquanto os mais pobres só abocanharam 18%.
Ou seja, não ocorreu uma diminuição da diferença entre quem tem muito dinheiro e quem não tem quase nada. Ao contrário de um dos axiomas políticos que circulava nos governos do PT. E não necessariamente por má fé, já que eles se apoiavam no IBGE.
AUMENTO DA POBREZA
Não bastassem esses indicadores, eis que o FGV Social, instituição de maior capilaridade em questões sociais, divulga estudo segundo o qual a pobreza não apenas deixou de cair (ela chegou a 8,4% em 2014), mas também subiu barbaramente e chegou a 11,2% em 2016.
Esses chamados “novos pobres” totalizam 5,9 milhões de brasileiros. São aqueles que haviam deixado de ser pobres, mas voltaram a sê-lo com a recessão.
Mesmo assim, eles ainda compõem um contingente bem menor que os 27,9% dos pobres, registrados em 2003.
Em tempo. Tecnicamente, é pobre alguém cuja renda domiciliar per capita seja inferior a R$ 223 por mês.
O FGV Social, dirigido pelo economista Marcelo Neri, que já presidiu o Ipea e foi ministro de Assuntos Estratégicos de Dilma Rousseff, não traz apenas más notícias.
A renda média que no quarto trimestre de 2014 estava em R$ 809 e despencou para R$ 754, no terceiro trimestre do ano passado, já recuperou um pouco de espaço e chegou a R$ 773.
Outro dado desse setor da FGV-RJ: com a crise econômica, os 10% mais pobres perderam 11,4% de renda. Bem mais que os 7,4%, segundo o estudo, perdidos pelos mais ricos.
FOTO: Favela da Rocinha/Fernando Frazão/Agência Brasil