Sem controle de gastos, Brasil viverá crise fiscal permanente
Em debate de economistas, Delfim Netto diz vivermos o “cenário como o de uma situação de guerra”, em que a CPMF – o que ele lamenta - voltará “por bem ou por mal”
A atual recessão será mais longa e com uma taxa de inflação que deve baixar a partir do ano que vem, mas que corre sérios riscos de voltar a ficar acima da meta em dois anos. O déficit fiscal (o buraco nas contas do governo) pode se aprofundar até 2018 e chegar a 5% do PIB (Produto Interno Bruto, soma de bens e serviços produzidos pelo país).
A combinação de um completo desarranjo nas contas do governo com o enfraquecimento político da presidente Dilma Rousseff em conduzir o ajuste fiscal - ou a reorganização da relação entre gastos e receitas do governo - deixa um cenário pessimista em perspectiva, com pouco espaço para otimismo, caso não haja reformas essenciais.
Pelo menos essa foi a visão de economistas que participaram de debate sobre os desafios da economia brasileira no 7º Congresso Internacional dos Mercados Financeiro e de Capitais da BM&FBovespa, que ocorre em Campos do Jordão até sábado (29/08).
Eles são Antonio Delfim Netto, professor emérito da Faculdade Economia, Administração Universidade de São Paulo (FEA-USP), Affonso Celso Pastore, sócio fundador da A.C. Pastore & Associados, e Samuel Pessoa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV).
Durante o debate, eles discutiram a possibilidade da volta da cobrança da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), que deve ter pressão de prefeitos e governadores em torno da aprovação.
O grande problema, dizem, será um aumento de carga tributária sem um esforço conjunto para o corte de despesas do governo - especialmente envolvendo reformas que mexem profundamente com o sistema de gasto social, como na Previdência.
A seguir, os principais tópicos debatidos entre os economistas:
AUMENTO DE IMPOSTOS X AJUSTE FISCAL
O economista Samuel Pessoa diz que deve haver uma nova rodada de aumento da carga tributária, não necessariamente via aumento de CPMF, já que estima que o déficit fiscal atingirá 5% do PIB em 2018, tendo ficado em 1,5% do PIB em dezembro do ano passado.
Ele diz que esta é uma dívida que cresce como bola de neve, em média 0,3 ponto percentual ao ano por causa dos gastos do contrato social (definido pela Constituição e que se refere aos gastos sociais e previdenciários).
“Existe um buraco dramático nas contas. O aumento da carga poderia vir, por exemplo, em dividendos. Mas precisa vir acompanhado de corte de gastos, especialmente com uma reforma estrutural dos benefícios previdenciários, e com a previsão de diminuição da carga tributária no longo prazo", diz.
Na opinião dele, o desafio para esse tipo de mudança enfrenta obstáculos dentro do contexto político.
Pastore, por outro lado, diz que, se o governo mandou a proposta de retorno da CPMF, deve haver pressão de estados e municípios, mas deve ser barrado pelo Congresso.
"Sou contra esse imposto, que tem enormes defeitos e distorce a economia", afirma.
Delfim Netto descreveu o cenário como o de uma situação de guerra, no qual o aumento de imposto virá por bem ou por mal.
"Principalmente se o governo, que não é bobo, já combinou com estados e prefeitos. A pressão será enorme para aprovar isso. Os deputados de estados quebrados vão votar. O que precisaria é discutir melhor a natureza do imposto, o que será feito e por quanto tempo. A CPMF não é o melhor imposto e um direto seria melhor” ", avalia.
Delfim Netto, no entanto, diz que o ideal mesmo seria condicionar o aumento da carga ao de um corte de gastos.
Para Pastore, a sociedade não apoiará um aumento de imposto com a economia em crise e o desemprego crescendo.
"O Congresso deve olhar para isso e raciocinar sobre que país estamos construindo. O que o governo deveria fazer é cortar gastos e deixar a dívida pública atingir 70% do PIB enquanto a redução não se tornar efetiva. Há países que fizeram isso e depois conseguiram voltar.
INFLAÇÃO E A RECESSÃO
O sócio fundador da A.C. Pastore & Associados disse que a principal ameaça à inflação virá do próprio governo: se ele afrouxar os gastos, que é o que o economista acha que vai ocorrer, o Banco Central não terá condições de manter uma taxa de juros muito alta para controlar o índice.
Isso porque a pressão política será forte sobre a autoridade monetária em um momento de recessão.
Seria um cenário de crescimento da dominância fiscal – quando autoridade monetária "joga a toalha", ou seja, não consegue controlar a inflação por meio do aumento dos juros.
"A taxa de juros real está muito acima da neutra, que seria o suficiente para derrubar o índice de preços. Por isso, acho que daqui a dois anos inflação pode começar a sair de controle, para acima do teto da meta", afirma Pastore.
Ele diz que no curto prazo, a convergência do índice de inflação é para baixo por dois motivos.
Um deles é o desemprego, que deve continuar em aceleração, inclusive quando a economia parar de contrair. E outro é o fim do ciclo de aumento dos preços administrados (que já foi de 9% neste ano). Com as correções já feitas, o aumento nesse grupo de itens será bem menor no ano que vem.
No entanto, ele diz que inflação dos preços livres – que não são controlados pelo governo – permanece alta, em torno de 6,5%. É uma taxa mais resistente e, assim, não deve ajudar o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ir para o centro da meta em 2016.
Pastore disse que a recessão será mais longa do que profunda. A avaliação está baseada nos últimos 30 anos, nos quais ocorreram oito ciclos econômicos.
“Estamos no nono ciclo e o que pude observar é que não existem recessões iguais. A de 2009, do pico ao vale, teve uma diferença de 6 pontos percentuais, mas já mostrava recuperação no terceiro trimestre”, diz.
A atual não deve ser a mais profunda em termos de queda, mas pode ser a mais longa da história - já que começou no segundo trimestre de 2014 e ainda deve vir em recuo nos próximos dois trimestres.
“Uma diferença essencial dessa recessão é que atingiu os investimentos e o consumo das famílias”, diz.
GRAU DE INVESTIMENTO
Pastore afirma que do ponto de vista do prêmio de risco brasileiro, a perda do grau de investimento é questão de tempo. Para ele, a probabilidade de isso ocorrer é de 90%. Tudo dependerá dos sinais da política econômica, que podem reverter essa tendência.
Isso porque os títulos de dívida soberana já apresentam taxas muito altas e as agências de classificação de risco de crédito agem com defasagem.
Em estudo apresentado antes do debate, ele mostrou que a taxa do Credit Default Swap (CDS) brasileiro já é próxima a de países como a Turquia, que não tem grau de investimento.
“Essa taxa reflete a política fiscal não sustentável e a dificuldade de gerar receitas”, diz. O estudo mostra que essa taxa acompanha uma forte valorização do dólar sobre o real.
O CDS é uma proteção comprada pelo investidor que funciona como medida de risco de crédito do Brasil.
Assim, diz Pastore, um aumento de risco da dívida brasileira já fez muitos investidores estrangeiros saírem da Bolsa brasileira, e o próximo passo pode ser a saída de aplicações de renda fixa – principalmente para fugir do risco de perda do grau de investimento.
TRAJETÓRIA DE CÂMBIO
Pessoa diz que o câmbio será guiado por dois cenários: em um deles a presidente consegue sustentação política e “empurra com a barriga” por mais três anos, o que deve levar o câmbio (real) a desvalorizar frente ao dólar de forma suave, com alguns solavancos no meio do caminho.
O segundo é um mais pessimista, movido por eventos como a perda do grau de investimento, e uma piora considerável das contas públicas, que pode levar o dólar a uma faixa de R$ 3,60 a R$ 3,80.
Delfim Netto, durante palestra, disse que a valorização do câmbio geralmente traz aumento de competividade e acompanha o crescimento, mas nem sempre.
No caso do Brasil, o que houve foi o que ele chamou de valorização ruim – que é acompanhada de política monetária e política fiscal frouxas, além de aumento salarial acima da produtividade do trabalhador. “Isso traz inflação e reduz o crescimento”, afirma.
Ele criticou a utilização do câmbio para o controle da inflação nos últimos anos junto com o abandono ao estímulo à exportação de manufaturados, com o foco apenas em produtos agrícolas e commodities, por exemplo.
“Vamos ter restrições pela escolha de desenvolvimento que fizemos, que foi o de prejudicar o setor industrial. Foi uma política cambial que levou o PIB para baixo”, afirmou.