Perspectivas dos empresários melhoram, mas com cautela
Números positivos voltam a aparecer nos balanços de alguns setores, mas é preciso cuidado. A confiança do consumidor ainda não melhorou e incertezas políticas persistem
Quando os números negativos passam a ser uma rotina nos balanços das empresas, um positivo, mesmo que baixo, já provoca uma mudança no ânimo dos empresários. Em empresas de alguns setores, os percentuais de vendas e produção ainda não reverteram para o azul, mas caminham nessa direção, com recuos menores a cada mês.
Essa perspectiva melhor do empresário, no entanto, ainda é cautelosa porque a confiança do consumidor - principalmente em relação à situação atual - ainda não saltou para o campo positivo.
O medo de ficar sem trabalho e renda e o próprio indicador de desemprego em patamar elevado inibem o consumo, refletindo mais diretamente nos indicadores de varejo e da construção civil.
Há também as incertezas na esfera política. Não só em relação à continuidade de implementação do ajuste - por meio de reformas importantes, como a da Previdência - mas também pelo desenrolar e consequências da Lava Jato e as próprias eleições presidenciais, que ocorrerão daqui a um ano.
E isso pode ser um motivo para que empresários esperem para investir.
É o que expressaram economistas, empresários e representantes de entidades do comércio, serviços, indústria e agronegócio na reunião de conjuntura realizada na sede da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
O evento fechado tem o objetivo de reunir não apenas informações, mas também de apurar a percepção de dirigentes de diferentes setores a respeito da atividade econômica.
A percepção geral é que os avanços conquistados na economia até agora são consistentes, ou seja, estão longe de ser um "voo de galinha". A recuperação começou, mas ainda existem espasmos após um longo período de retração e incertezas.
Um exemplo positivo desse cenário foi a melhora surpreendente no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que neste início de ano - demonstrado pela prévia da inflação oficial (IPCA-15) - registrou 5,17% em 12 meses até fevereiro.
O melhor não foi apenas esse resultado, segundo um economista que participava da reunião, mas a reversão das expectativas do mercado financeiro que, por meio do relatório Focus, estimam que a inflação ficará abaixo do centro da meta de 4,50% ao fim deste ano.
Acompanha, no mesmo terreno, a queda mais intensa da taxa básica de juros (Selic), atualmente em 12,25% ao ano. Mais gradual, porém, será a redução dos juros nos bancos, embora o movimento tenha sido iniciado.
Representantes de bancos avaliam, contudo, que a evolução do crédito - tanto ao consumidor, quanto às empresas - ainda levará tempo para se recuperar por causa do alto índice de endividamento.
Nesse processo, liberação do dinheiro das contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) será bem-vinda.
O fato de a situação financeira atual dos consumidores não ter melhorado ainda explica também porque o índice de confiança segue estável no patamar 74 pontos, segundo pesquisa Ipsos realizada pela Associação Comercial de São Paulo.
Quando se trata da situação financeira atual, ainda está abaixo dos 100 pontos, que representa o otimismo.
A partir desse e de outros indicadores, economistas da ACSP traçaram uma tendência para as vendas do varejo nos próximos meses, que revelam que a recuperação será mais lenta.
No estado de São Paulo, a estimativa é que o recuo seja da ordem de 5,03% no mês de junho. No Brasil, a previsão é de quedas menores até o mês de setembro, quando atingirá 3,6%.
Trata-se, portanto, de um ciclo de redução gradual dos recuos nas vendas, já que elas encerraram o ano passado negativas em 6,2%, segundo o IBGE.
Dentro desse universo, portanto, há nuances. Destacam-se, por exemplo, as vendas do setor farmacêutico, que cresceram 13,8% nominalmente em janeiro ante igual mês de 2016.
Outro tipo de segmento que está tendo bons resultados é o de variedades, utilidades e utensílios domésticos. Empresário de uma grande rede revelou que o ano começou aquecido, com crescimento nominal nas vendas de 16% em janeiro e de 12% em feveereiro, na comparação mensal.
O e-commerce registrou acréscimo de 22% no percentual de consumidores ativos. O crescimento já carrega êxito do ano anterior, que foi de 7,4% nas vendas, nominalmente (sem considerar a inflação). A estimativa de entidade do setor é de avanço de 12% em 2017, que será estimulada pela deflação dos preços nas internet.
Por outro lado, há pequenos varejistas ou de segmentos como moda que não observaram reação consistente nas vendas, com alta em janeiro e queda em fevereiro. A expectativa é que a reversão venha em março.
RECUPERAÇÃO DA INDÚSTRIA
Um setor que mostra que a recessão perdeu força foi a indústria, que reagiu em janeiro deste ano com alta de 1,4%. Por depender menos do mercado interno, subiu no embalo das exportações, com destaque para veículos.
A expectativa é que o setor agrícola, que passa por boas condições de clima e plantio neste ano - com uma capacidade de produção cinco vezes maior - , puxará os números da indústria por ser compradora de máquinas e equipamentos.
A presença maior de manufaturados e semimanufaturados nas exportações mostra que houve um esforço das empresas em ampliar as exportações e um aumento da confiança dos empresários. Apesar disso, um representante de entidade disse que o emprego deve demorar a subir. "Eles passam pela recuperação usando menos mão de obra."
Outro segmento que observou aumento nos pedidos foi o de embalagens, mas o problema de empresários desse setor tem sido o de encontrar fornecedores, já que durante a crise muitos fecharam as portas. Os que restaram estão praticando preços maiores, os quais os fabricantes não podem repassar ao produto.
Já a indústria de eletroeletrônicos esboçou uma reação, crescendo 9,4% em termos nominais no quarto trimestre do ano passado ante o trimestre anterior. A alta no entanto foi gerada pelo aumento de 50% nas vendas de itens de menor valor, os chamados portáteis.
Segundo representante de entidade que congrega os fabricantes, o setor teve um superávit (resultado positivo) e as vendas somaram R$ 45 bilhões contra R$ 36 bilhões no mesmo período. Em janeiro, o superávit chegou a R$ 2,7 bilhões.
Mas nem todos os setores já observaram recuperação. No caso do têxtil, o recuo foi de 4,5% em janeiro, depois de uma alta nominal de 12% em dezembro. As importações do setor continuaram crescendo em torno de 15,4%, segundo dados de janeiro deste ano ante igual mês do ano anterior, enquanto as exportações recuaram 1,6% no mesmo período.
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