Ensaio para o último ato do populismo na América Latina
Venezuela, Argentina e Brasil pagam o preço por políticas econômicas exóticas, confusas e intervencionistas
Os governos da esquerda assistencialista estão em recuo na América Latina. O último sintoma foi dado pela Argentina, onde o liberal Maurício Macri é o favorito para o segundo turno presidencial de 22 de novembro, contra o peronista Daniel Scioli, candidato da presidente Cristina Kirchner.
O segundo peão a cair no tablado seria o da Venezuela, com as eleições que renovarão o Parlamento unicameral em 6 de dezembro. O partido do ditador Nicolas Maduro, sucessor de Hugo Chávez, sofre os efeitos do desabastecimento e da inflação de 240% ao ano.
Caso a eleição não seja fraudada –a dúvida está na rejeição por Caracas de observadores como a União Europeia, OEA ou mesmo o brasileiro Nelson Jobim – os bolivarianos ficariam com pouco mais de um terço dos votos.
E há sobretudo o caso do Brasil, onde o mandato da presidente Dilma Rousseff prossegue sob a ameaça de impeachment, e o ajuste fiscal não surte efeitos em razão da própria crise política e da inoperância do Congresso, que não vota projetos pendentes.
Em comum, esses três países criaram laboratórios exóticos para a elaboração de receitas intervencionistas que, ao fracassarem, voltaram-se contra os governantes como se fossem bumerangues.
Dois outros governos latino-americanos, o do Equador e da Bolívia, enfrentam problemas de outra ordem. Dependentes de exportações de petróleo e gás, seus planos sociais sofreram redução em razão da queda da cotação do óleo cru no mercado internacional.
Tais episódios fortalecem os partidários do mercado. No caso da Argentina, a agência Bloomberg acredita que os hedge funds administrados por figuras como George Soros ou Daniel Loeb chegariam finalmente a um acordo com o governo em caso de vitória de Macri.
O fim dos 12 anos de governo do casal Kirchner permitiria normalizar as relações da Argentina com o mercado financeiro internacional, aliviando o principal sintoma que emperrava as transações com aquele país: a falta de divisas do Banco Central.
O declínio dos modelos de forte intervenção do Estado possui, em cada país, causas internas específicas – a irresponsabilidade fiscal do Brasil, por exemplo -, mas têm como pano de fundo o final do período em que a China funcionou como um mercado aquecido na aquisição de commodities.
No caso do Mercosul, por exemplo, Brasil e Argentina sofreram relativamente pouco pelo desaquecimento de suas relações bilaterais, na medida em que os chineses entraram na região e em parte compensavam esse declínio.
O caso da Venezuela é bem mais emblemático. Diante da impossibilidade de importar todos os bens essenciais de que precisa, o governo bolivariano acirrou mecanismos de controle de preços no varejo, o que acelerou o desabastecimento e alimentou a corrupção.
Essa “política de panelas vazias” tende a despertar fora da Venezuela uma ideia menos polarizada, politicamente, daquilo que seja a inclusão social.
Não se trata mais de enxergar programas como o brasileiro Bolsa Família como uma bandeira do Partido dos Trabalhadores, mas como uma forma de inclusão ao mercado mínimo de consumo, como ocorre em países como o México ou o Chile, que dispõem de programas equivalentes, sem o mesmo lastro partidário.
Mesmo no Brasil, o PSDB – que instituiu o precursor Bolsa Escola– não aceita sacrificar em R$ 20 bilhões a dotação do atual programa, conforme deixou claro nas discussões em curso no Congresso sobre o ainda em aberto Orçamento de 2015.
O exemplo é forte, na medida em que inexiste uma tendência de atirar os mais pobres aos braços do mercado, mas de destravar a economia naquilo em que, dentro e fora do exemplo brasileiro, persista uma excessiva intervenção do Estado.
É também o que dizem as oposições na Venezuela e na Argentina, que não aceitam a visão bipolar segundo a qual maior justiça social implica machucar o capitalismo. Ambas tendem a conviver, numa visão pós-bolivariana, como braços distintos de políticas públicas.
Há nisso tudo o contraste entre os países latino-americanos em que as esquerdas são atuantes dentro do aparelho de Estado e aqueles em que prevalece uma visão mais voltada ao liberalismo, como a Colômbia ou o Peru, onde as taxas de crescimento permanecem positivas, apesar dos efeitos da crise de 2008 e do desaquecimento da China.
O mesmo vale para o Chile, onde a esquerda está nominalmente no poder, mas os agentes do mercado não se sentem ameaçados. Caso ainda semelhante ao do pequeno Uruguai –ele tem um terço do peso demográfico do Município de São Paulo -, onde o atual presidente preservou as redes de proteção aos mais pobres, paralelamente ao respeito às leis do mercado na produção de bens primários e do dinâmico setor de serviços (consultoria jurídica, bancos, seguros), que têm um bom peso regional.