Temer resiste aos ultrajes que recebe da mídia
Jornais e redes sociais focam em pequenas questões secundárias e reforçam a imagem negativa de um presidente também empenhado numa pauta seríssima de reformas
Michel Temer está com 76 anos e não tem o pavio curto. Caso contrário, teria periódicos xiliques em razão da maneira com que é tratado pela mídia.
Um primeiro exemplo. A Folha de S. Paulo noticia nesta terça (10/01) que ele “é recebido com protestos no RS e confunde real com cruzeiro”.
O protesto existiu e o acompanhará até 31 de dezembro de 2018, em razão do inconformismo dos que não aceitaram o impeachment de Dilma Rousseff. E ele também cometeu um lapso quanto à designação da atual moeda brasileira.
Mas a informação relevante, em cerimônia na cidade gaúcha de Esteio, era outra. O presidente anunciou que construiria um presídio federal no Rio Grande do Sul.
Essa deficiência de foco jornalístico também ocorreu na véspera, quando um colunista do jornal O Globo noticiou, em breve nota, que Temer “proibira” a primeira-dama, Marcela, de dar entrevistas.
Foi um imediato alvoroço nas redes sociais. Onde já se viu um marido proibir a mulher de falar em público? “Coisa de machista”, diagnosticaram simpatizantes do Partido dos Trabalhadores, como se todos eles, nas horas vagas, e para matar as saudades, reassistissem pelo YouTube às entrevistas coletivas – que jamais existiram – de Marisa Lula da Silva.
Mais um exemplo da Folha. Na última sexta-feira (06/01), a manchete era a seguinte: “Ação de Temer reduziria 0,4% de vaga prisional”.
E em páginas internas. “A promessa de Temer é construir cinco novos presídios federais de segurança máxima, com capacidade total para pouco mais de 1.000 vagas. Isso não supriria nem o déficit de 5.438 vagas do Amazonas, onde 56 presos foram assassinados no início da semana em presídio do Estado.”
O presidente da República é diretamente acusado de cumprir só parcialmente uma de suas obrigações. Mas o detalhe relevante é outro. Construções de presídios é obrigação constitucional dos Estados, e não da União.
Além disso, as unidades federais de segurança máxima que o governo federal começou a construir no primeiro governo Lula (foi uma boa iniciativa) se destinavam, por meio de instalações e carcereiros de elite, a isolar os chefes do crime organizado.
Não eram unidades para o cumprimento banal de penas ou para o acolhimento de detenções provisórias, que precedem o julgamento.
Por uma expressão idiomática já antiga, o que nitidamente ocorre é “uma marcação” contra o presidente da República.
EXERCE UM CARGO PARA O QUAL "NÃO FOI ELEITO"
Seu pecado original é exercer um cargo “para o qual não foi eleito”, o que o definiria como “golpista”, palavra que ainda não saiu completamente da moda.
Pela mesma lógica, no entanto, seriam também os casos de João Goulart, José Sarney e Itamar Franco, vices que exerceram a Presidência.
Ou, para puxar pela memória, também o caso de Delfim Moreira, que, em 1918, assumiu no lugar de Rodrigues Alves, que morreu de gripe espanhola antes de tomar posse.
Esses e outros nomes da história republicana brasileira simplesmente obedeceram à Constituição. Desde 1891, com a morte ou o impedimento do presidente, quem assume é o vice.
A questão crucial com Temer é que o afastamento de Dilma foi traumático e, para tentar preservar sua identidade política, o PT e aliados (PDT, PC do B, Psol) procuram fazer com que ele vista indevidamente a carapuça de um usurpador.
É o preço que ele está pagando, apesar de o processo de impeachment ter tido a legitimidade carimbada pelo Congresso, pelo STF e até pelo Tribunal de Contas da União – que por duas vezes, e por nove votos a zero, constatou que a ex-presidente cometeu crimes de responsabilidade fiscal.
O fato é que essa história, que nunca acaba, encontrar, no palácio do Planalto um personagem não muito vertebrado para liderança da opinião pública. Temer nunca será um carismático.
O Datafolha nos diz que para 51% dos brasileiros ele é ruim ou péssimo, e que 63% desejariam que ele renunciasse para a convocação, por algum passe de mágica, de novas eleições diretas.
APROVEITAR A IMPOPULARIDADE PARA REFORMAS AMARGAS
De certo modo, no entanto, Temer está seguindo o conselho dado em agosto do ano passado pelo publicitário Nizan Guanaes, para quem ele deveria aproveitar a impopularidade para cumprir uma agenda de reformas amargas.
O presidente conseguiu aprovar a PEC do teto dos gastos públicos. Já está em queda de braço com o Congresso para a aprovação das reformas da Previdência e das Leis Trabalhistas. Tirou da gaveta e transformou em Medida Provisória a reforma do Ensino Médio.
E, se tiver fôlego, há ainda pela frente as reformas política e tributária.
Excetuada a PEC dos gastos, em que o Planalto, diante da herdada tragédia fiscal, operou no Congresso cm seu rolo compressor, as outras reformas geraram ou gerarão diálogo e confronto. O que é próprio da democracia.
O simples fato de ter seu nome associado a esse conjunto de iniciativas já daria a Michel Temer uma imagem de relevância. Não terá sido um João-Ninguém ou um “Mané” da história política brasileira.
É bem verdade, no entanto, que o trajeto dele está sujeito a solavancos da Lava Jato, que tem comido pelas bordas o chamado núcleo palaciano e que poderá abastecer o processo contra a chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral.
São aspectos sobre os quais a mídia, muito atenta, não chega a cometer exageros. Da queda do breve Romero Jucá, do Ministério do Planejamento, ao histriônico caso Geddel Vieira Filho, Temer perdeu merecidos pontos.
Mas os que hoje torcem por ele não são os mesmos que em 2014 votaram na chapa da qual ele era o vice. O que é um consolo e uma qualidade.