Temer, ano um: equilibrismo e salto de obstáculos
Presidente avança com lentidão na economia, mas é eficiente no encaminhamento das reformas e tem sua reputação bombardeada pelas esquerdas
Foi às 6h34 da manhã, em 12 de maio de 2016 – há exatamente um ano, nesta sexta-feira -, quando o Senado, por 55 votos a 22, autorizou que Dilma Rousseff fosse processada por crime de responsabilidade.
Horas depois, ela deixava a Presidência da República, e se iniciava o mandato interino de Michel Temer, efetivado no cargo em 31 de agosto, quando o impeachment foi definitivamente votado.
Temer é considerado ótimo ou bom por apenas 9% dos brasileiros, segundo pesquisa feita em abril pelo Datafolha. E enfrenta dificuldades, em grande parte herdadas dos 13 anos de governos do Partido dos Trabalhadores.
Mas os bem-pensantes sabem que o Brasil está agora nos trilhos, com a busca do equilíbrio fiscal, a PEC do teto dos gastos públicos já em vigor – ao lado da reforma do ensino médio -, e com as reformas trabalhista e da Previdência bem-encaminhadas.
Os mais cínicos poderão dizer que o professor de direito constitucional e ex-deputado pelo PMDB paulista não foi propriamente “the right man, in the right place” (o homem certo, no lugar certo).
Fiel aliado do finado governador Orestes Quércia, Temer está onde está porque foi escolhido pelo ex-presidente Lula como vice de Dilma em 2010 e em 2014. E na última eleição recebeu os mesmos 54.501.118 votos que ela.
O atual presidente herdou um sistema político precocemente apodrecido desde a Constituição de 1988. Precisou se aliar às forças fisiológicas presentes no Congresso para prosseguir com suas reformas.
Não poderia se indagar, por exemplo, sobre o conteúdo programático e ético dos 225 deputados do hoje esvaziado centrão, que obedeciam ao ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ex-presidente da Câmara, cassado por seus pares e que hoje hóspede da carceragem de Curitiba.
Por força da mesma composição desse Congresso, em que PMDB, PP e PT se afundaram até o pescoço no esquema de corrupção da Petrobras, 11 dos ministros iniciais de Temer estavam ou estão sendo agora investigados na Lava Jato.
Entre eles, caíram Romero Jucá (Planejamento), Henrique Eduardo Alves (Turismo) e Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo), ao lado de três outras substituições menos traumáticas, como a de Aloysio Nunes no lugar de José Serra, no Itamaraty.
Apesar desse ambiente politicamente envenenado, a economia se recupera devagarinho – a inflação caiu de 10,7% para 4,1%, e o PIB que deve crescer em 2017 algo como 0,5%, depois das duas mais fortes quedas da história republicana. Mas o desemprego que subiu para 13,7% e só começará a cair no segundo semestre.
Mas a questão básica seria outra. Em que pé estaria o país, caso Dilma permanecesse governando e só estivesse para deixar o Planalto em 31 de dezembro de 2018? Apesar de todos os pesares, com o impeachment o Brasil voltou a ter governo.
Há uma infinidade de medidas que se perdem no noticiário. Como o aumento em 12,5% do Bolsa Família a partir de junho de 2016, aumento dos investimentos do Minha Casa, Minha Vida ou o lançamento do Cartão Reforma para famílias de baixa renda.
Podemos nos perguntar qual a razão para que essas e outras medidas sociais provoquem pouquíssimo impacto na opinião pública?
De um lado, Michel Temer e sua equipe são ruins na comunicação com a população – um bom exemplo está no atraso da campanha publicitária sobre a reforma da Previdência.
De outro lado, no entanto, o governo se tornou vulnerável aos ataques impiedosos de uma oposição – PT, PC do B, Psol, PDT, Rede – que se especializou em verdades aproximativas ou mentiras puras e simples nas mensagens que, a partir do Congresso ou das centrais sindicais, dirigem à população.
Um bom exemplo foi a “greve geral” de 28 de abril. Seus idealizadores afirmaram que 35 milhões de brasileiros aderiram ao movimento contra as reformas. Esqueceram de dizer que essa mesma oposição provocou o colapso no sistema de transportes públicos, enquanto setores da “sociedade civil organizada” (sic) bloqueavam o tráfego em vias importantes nas grandes cidades.
A verdade é que Michel Temer chegou à Presidência em meio a um acirramento insuflado da polarização política no país.
O jogo do “nós contra eles” surgiu em 2003 – quando o então ministro José Dirceu, da Casa Civil, estimulou os quadros administrativos federais a se referirem à suposta “herança maldita” de FHC – e se acirrou em 2015, com as manifestações de rua pelo impeachment, quando setores de esquerda qualificavam os manifestantes de “golpistas” ou simplesmente de “fascistas”.
Essa artilharia ensandecida conseguiu atribuir à União até a responsabilidade pela crise no sistema penitenciário, a partir de janeiro último – quando os verdadeiros responsáveis estavam, em verdade, dentro do crime organizado.
Mas Temer tem pele dura e não partiu em nenhum momento para reações destemperadas que ferissem a democracia. Com todas as suas limitações, ele permanece como um homem contemporizador e do diálogo.
Há, por fim, as fortes mudanças que enriquecem o Brasil na política internacional. Por uma questão de afinidade ideológica, o Itamaraty havia sido empurrado à condescendência para com a semiditadura da Venezuela ou com a ditadura cubana.
As delações dos executivos da Odebrecht e dos marqueteiros do PT demonstraram que as afinidades externas de Lula e Dilma se traduziam pela ingerência brasileira em campanhas eleitorais latino-americanas de candidatos amigos.
E ainda está para ser desenterrado o verdadeiro envolvimento brasileiro, financeiro e diplomático, com o regime autocrático e corrupto de Angola. Coisas, agora, do passado.
O Brasil mudou bastante em um ano. Se Michel Temer fosse um personagem carismático e de forte personalidade pública, a mudança seria bem mais visível.
Daqui a um bom tempo é com certeza isso que dirão os historiadores.
FOTO: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo