Marcelo Odebrecht e os desvios do capitalismo brasileiro
Empreiteiro não representou uma "inovação" nos mecanismos de corrupção; ele só ampliou com o PT uma relação com o Estado que já existia
A condenação de Marcelo Odebrecht a 19 anos e quatro meses de prisão, nesta terça-feira (08/03), traz uma nova ordem de grandeza às decisões da operação Lava Jato.
Ele não é apenas “um empresário a mais”, em meio a três diretores da Mendes Junior, cinco da OAS, três da Camargo Correa e também três do Grupo Galvão, segundo o último balanço publicado pela Justiça Federal de Curitiba.
Odebrecht foi o presidente e é o principal herdeiro da maior empreiteira do país, a Construtora Norberto Odebrecht (CNO), com um faturamento de R$ 125 bilhões no ano passado e um pico de 170 mil funcionários.
O peso empresarial do Grupo Odebrecht define, em parte, o tamanho de seu envolvimento no desvio de recursos da Petrobras, apurado há dois anos sob o comando do juiz Sérgio Moro.
Criada em 1944 em Salvador (BA) pelo avô de Marcelo --autor de mais de cem livros de gestão--, a empreiteira tem hoje atividades em 19 países, da Alemanha aos Estados Unidos, do Peru a Angola.
Não havia e nem nunca houve afinidade ideológica entre o grupo e o Partido dos Trabalhadores. Existia, no entanto, uma confluência nem sempre muito clara de interesses. "Eu não sou petista. Sou lulista", disse, tempos atrás, Emilio Odebrecht, pai de Marcelo.
A Odebrecht precisava de contratos públicos, que são os de maior volume financeiro. Por sua vez, para sobreviver politicamente no Congresso, o PT comandou um mecanismo de desvio de verbas em contratos superfaturados, que teve na Petrobras a principal fonte de renda. A Odebrecht, por seu tamanho, assumiu a dianteira de uma parte da operação.
Ela também é frequentemente citada em favorecimentos ao ex-presidente Lula e teve sua participação comprovada no financiamento da campanha eleitora de 2014, que reelegeu a presidente Dilma Rousseff. Isso se deu, entre outros canais, pela remuneração do marqueteiro João Santana.
O jornal O Globo informou nesta terça que Marcelo Odebrecht, preso desde junho do ano passado, dificilmente cumprirá toda a pena a que foi condenado. Isso porque seus advogados estão negociando delação premiada. O mesmo roteiro tende a beneficiar Leo Pinheiro, ex-presidente da OAS.
Caberia então perguntar de que maneira se chegou a essa confusão criminal que exibe simultaneamente três rostos: o do governo, o dos empresários e o da estatal?
A explicação imediata vem do modelo político que o PT recebeu em 2003 e imediatamente ampliou. É o “presidencialismo de resultados”, com a troca do voto em plenário pela propina, e que em escala bem menor já rendeu em 2005 o mensalão.
Mas isso se acompanha pela tentação ao enriquecimento ilícito. É o caso dos três ex-portadores de mandatos eletivos que a Lava Jato condenou. São os deputados Pedro Correa (PP), André Vargas (PT) e Luiz Argolo (SD).
Mas há uma segunda explicação, bem mais sutil, que é dada pelo economista Sérgio Lazzarini, em “Capitalismo de Laços” (2010).
Ele diz, basicamente, que as privatizações da década de 1990 não diminuíram o tamanho do Estado e sua intervenção na economia. Instituições estatais continuaram associadas ou em posição de controle de empresas privadas. Por meio do BNDES, com financiamento ou de participação acionária, ou dos fundos de pensão.
Essa malha empresarial passou a atuar em conjunto com outras grandes empresas em que o mesmo grupo reduzido de acionistas privados tem participação simultânea no capital de muitas delas.
Em outras palavras: os empresários não disputam espaço com o Estado. Eles estão dentro do Estado, dentro dessa complicada rede de interesses e de participações.
Ao mesmo tempo, torna-se grotesco o raciocínio herdado da filosofia política de que há o público e o privado como espaços bem definidos e que não devem se misturar. Eles já se misturaram no Brasil há muito tempo.
E quem primeiro identificou esse fato em escala histórica foi Raymundo Faoro, em “Os Donos do Poder” (1958).
Desde as capitanias hereditárias até as montadoras de automóveis dos anos Kubitschek, o Estado era a instituição que garantia a existência e o funcionamento do mercado – o açúcar no período colonial, os veículos automotores do início da industrialização acelerada.
Tudo isso precisava de muita infraestrutura (estradas, hidrelétricas). Foi o canal pelo qual surgiram e cresceram empresas como a Odebrecht. Cuja fusão informal com os interesses do PT ficaram não apenas problemáticas. Ficaram também criminosas.
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