Afinal, Temer fica ou Temer cai?
Ninguém tem ainda uma resposta. Mas a crise que estourou com a delação de Joesley Batista estagnou os negócios e mergulhou a sociedade numa imensa insegurança
Você está confuso e não sabe se Michel Temer fica ou se ele sai. Não se preocupe. Também estão confusos o Congresso, o Planalto, o Judiciário e toda a sociedade brasileira.
Nesta segunda-feira (22/05), quinto dia da profunda crise política desencadeada pelo grampo do presidente por Joesley Batista, os cenários possíveis são os seguintes:
1 – Pela manhã desta segunda-feira, o presidente acreditava que ganharia fôlego caso o plenário do STF aceitasse seu pedido de suspensão do inquérito que corre contra ele. Deixando de ser “investigado”, receberia uma sobrevida política.
Pela tarde, no entanto, duas novidades. A questão entraria em pauta nesta quarta-feira, mas ficou para quando o tribunal receber a perícia sobre a comprometedora gravação da conversa entre o presidente e o dono da JBS. Duas horas depois, os advogados do presidente disseram que desistiam do pedido de suspensão do inquérito, e que haviam contratado uma perícia própria para analisar a gravação. Ela teria 70 indícios de montagem, ainda segundo os advogados.
Em resumo, Temer quer ganhar tempo, e por enquanto está conseguindo.
2 – O presidente cai ao deixar de ter o apoio de sua base. Na Câmara, nominalmente a base tinha 402 deputados, mas só a metade deles era contabilizada até há uma semana para votar a reforma da Previdência.
Com a erosão provocada pela crise, PSDB e DEM podem seguir o exemplo do PSB (35 deputados), e abandonar Temer ao relento.
A propósito, o Planalto fracassou neste domingo ao reunir apenas 29 deputados no palácio do Alvorada, para o que seria um jantar com a base aliada.
3 – O presidente ainda tem a caneta para verbas e nomeações. Pode construir uma minoria simples e fisiológica. Mas precisaria desistir das reformas – nem a trabalhista, que exige maioria simples, tem clima hoje para sair -, o que estagnaria a economia e não diminuiria o desemprego.
4 – O mercado continua inseguro. Nos três pregões do Bovespa desde o início da crise, houve na quinta-feira queda superior a 8%, alta de 1,4% na sexta e, nesta segunda, nova queda às 14h de 2,3%. Os negócios estão paralisados.
Há preocupação com a manutenção da atual equipe econômica: Ilan Goldfajn (BC), Pedro Parente (Petrobras) e Maria Silvia Bastos Marques (BNDES).
QUEM PODERIA SUCEDER AO PRESIDENTE?
5 – Diante de tudo isso, já se discute quem poderá suceder ao presidente na eleição indireta do Congresso. A partir desse estágio, abre-se um outro leque de discussões.
A respeito, o colunista Elio Gaspari, na Folha de S. Paulo e em O Globo deste domingo, foi eloquente por uma importante omissão.
Não elencou o nome de Henrique Meirelles, que seria uma garantia para que Previdência e leis trabalhistas fossem reformadas. Com ele, o dólar com certeza cairia abaixo de R$ 3,00 e se consolidaria a retomada da longa recessão.
A omissão de Meirelles levou em conta o fato de o Congresso – em 2018, renovação de toda a Câmara e de dois terços do Senado – formar um conjunto de políticos não disposto a perder votos para modernizar o país e evitar uma incalculável crise fiscal.
Duas outras cartas também estão na mesa. A primeira é a possibilidade de a Justiça Eleitoral caçar a chapa Dilma-Temer no próximo dia 6 de junho.
E a segunda – muito remota – estaria na convocação de eleições diretas, o que assusta o Congresso e o empresariado porque, na ponta desse roteiro, há a possibilidade de Lula voltar a governar.
Isso posto, são lembrados, nos cenários de sucessão indireta, conforme prevê a Constituição, os nomes de Carmen Lúcia, presidente do STF, Gilmar Mendes, ministro daquele tribunal e presidente do TSE,
Nelson Jobim, ex-ministro de FHC e de Lula e que circula entre a atual base e a oposição, Rodrigo Maia, o presidente da Câmara respeitado pelo baixo clero, ou Tasso Jereissati, senador tucano e nome limpo na Lava Jato.
O fato é que, com o raciocínio que descarta Temer já indo tão longe, passam a um plano secundário os detalhes sobre a delação de Joesley e as culpas verdadeiras do presidente.
Nessa turbulência institucional também se tornam secundários os R$ 2 milhões que o senador Aécio Neves pediu recentemente à JBS – o que tirou dele o mandato e destruiu sua carreira – ou até mesmo os US$ 150 milhões que o grupo entregou em 2014 a Lula e Dilma, por enquanto cartas fora do baralho.
Em suma, o estrago sobre o projeto político de Temer já foi feito. Pouco importa se a gravação de 38 minutos de sua conversa com Joesley na noite de 7 de março faz parte de alguma fantasiosa conspiração, ou se não faz mais sentido a primeira versão do escândalo, de que o presidente deu aval para a compra do silêncio de Eduardo Cunha, hoje preso em Curitiba.
A única variável incontestável é que Temer está com sua imagem muito, mas muito machucada.
“Não renuncio. Se quiserem, me derrubem”, disse ele em entrevista, nesta segunda-feira (22/05) à Folha de S. Paulo.
Mas o site O Antagonista ouviu um personagem próximo e não identificado do presidente, para quem ele desabafou que essa postura de resistência não depende apenas dele.
A propósito, a consultoria internacional Eurasia calculou nesta segunda-feira que são de 70% as chances de Temer cair.
Como ele continuaria a ser respeitado por um deputado subornável, a partir do momento em que, na delação, Joesley disse que o então vice-presidente da República recebeu R$ 15 milhões para o PMDB, partido que presidia, mas na hora do acerto colocou R$ 1 milhão no próprio bolso?
Como ele poderia dar ouvidos a sua dupla de mais próximos conselheiros, Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (secretaria-geral da Presidência), se ambos, investigados pela Lava Jato, sabem que, fora da estrutura do Executivo, perderiam o foro privilegiado e cairiam na primeira instância de Sérgio Moro? Moreira e Padilha querem que Temer resista.
Há, por fim, a constatação sobre a extrema pobreza que a classe política demonstra com relação a um valioso bem humano, que é o de uma grande liderança.
A FALTA DE UM NEGOCIADOR FORTE
Em telefonema no domingo ao presidente, seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, sugeriu negociações amplas que incluam o PT para uma solução negociada para a crise.
Mas o diálogo é difícil. Até sexta, a oposição já havia protocolado oito pedidos de impeachment, e no fim de semana foram preparados mais dois.
O plano B dos petistas está em apoiar, numa sucessão indireta, o candidato que se comprometa a engavetar as reformas trabalhista e da Previdência.
Em 1961, diante da crise aberta pela renúncia do presidente Jânio Quadros, o Congresso tinha Tancredo Neves, que negociou com os militares a pose do vice João Goulart, em troca da adoção do Parlamentarismo.
Em 1992, com o impeachment de Collor, o deputado Ulysses Guimarães, avalista da Constituição votada havia quatro anos, intermediou a aterrissagem em nada acidentada das instituições no mandato do vice-presidente Itamar Franco.
As crises cambiais externas dois oito anos de seu mandato – a primeira foi a do México, em 1994, a última, a da Rússia, em 1999 – encontrou FHC na liderança e no controle do processo de recuperação.
Pois esse horizonte está agora vazio, um horizonte que já foi povoado por políticos de imensa habilidade e que eram respeitados por aliados e adversários, o que facilitava as coisas.
Com o desprestígio da política, em razão da frequência dos escândalos de corrupção, a partir da queda de Collor, cada vez uma quantidade menor de candidatos a postos eletivos passou a ter a densidade ética ou intelectual e o sentido do bem público.
Em lugar deles, o espaço passou a ser ocupado pelos candidatos das igrejas evangélicas, das corporações policiais, dos sindicatos de classe, das pequenas capelas ideológicas.
Toda essa gente consegue no máximo administrar o cotidiano. Mas todos se calam por covardia ou impotência nos momentos de crise mais grave. É justamente onde está nesse momento o Brasil.
FOTO: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo