A reforma eleitoral é ruim. Mas poderia ter sido bem pior
Os deputados enterraram o "distritão". Mas conseguiram impor para 2018 apenas uma modesta cláusula de barreira. A proibição de coligações ficou para as municipais de 2020
A reforma eleitoral que vem sendo parida pelo Congresso é muito ruim. Mesmo assim, o sentimento que ela desperta é de um certo alívio. Isso porque as ideias que circularam já foram muito piores.
Vejamos o que ocorre em termos práticos. A Câmara votou nesta quarta-feira (20/09) o texto-base do que sobrou de quatro meses de delirantes discussões. Nova votação na semana que vem, antes que o Projeto de Emenda à Constituição (PEC) vá para as duas votações no Senado.
Os senadores, por sua vez, tratam do fundo público de financiamento de campanha. Se chegarem a algum acordo, o texto terá primeira votação em plenário no dia 27. Precisam de uma segunda votação, antes de o enviarem à Câmara.
A ideia inicial do Congresso era de fazer uma reforma política. Mas o que vem sendo produzido, em termos bem mais modestos, é uma reforma eleitoral, que precisa ser votada até 7 de outubro para que possa vigorar em 2018.
O maior dos pesadelos morreu na Câmara na última terça-feira (19/09). Era o chamado “distritão”, pelo qual estariam eleitos, de forma linear, os candidatos mais votados.
O sistema não exigiria mais a solidariedade eleitoral entre candidatos do mesmo partido. Com isso, seria previsível a tendência de lançar celebridades, que não teriam o mínimo compromisso com o histórico das legendas – como a esquerda, para o PT, ou o liberalismo para o PR ou o PP.
Outra consequência estaria na possibilidade infinitamente maior de reeleição dos atuais deputados federais e estaduais. O político iniciante encontraria uma barreira bem mais espessa para se eleger.
Pelo sistema em vigor, somam-se os votos dos partidos ou coligações (que incluem os não-eleitos) e divide-se esse bolo pelo número de cadeiras. Ou seja, o voto a quem não se elegeu entra no cálculo – “quociente eleitoral” – que determina o tamanho das bancadas.
O projeto derrotado previa o distritão como uma etapa, em 2018, para a adoção, em 2022, do voto distrital misto, semelhante ao que vigora na Alemanha.
Pelo mecanismo, os Estados seriam divididos em distritos, que elegeriam, cada um, dois deputados. Um pelo voto direto, e o outro, por uma lista que os partidos definiriam e na qual os que as encabeçassem teriam a chance de se eleger.
O FIM DAS COLIGAÇÕES
O texto que tramitou na Câmara foi bem mais modesto. Instituiu o fim das coligações para eleições proporcionais (deputados e vereadores). Mas apenas a partir das eleições municipais de 2020.
Para o ano que vem, prevalece o atual sistema, no qual, se for o caso, até o Psol, de extrema esquerda, pode se coligar com o PSC de Jair Bolsonaro.
A versão final do texto diz que partidos políticos, podem se coligar, mas desde que exista entre eles uma afinidade de programas. Mas essa aliança, designada de federação, prosseguirá durante os quatro anos seguintes de mandato.
O princípio valerá para as eleições a vereador, dentro de três anos, e para as de deputados estaduais e federais, daqui a quatro anos. Em 2018, tudo fica como está.
CLÁUSULA DE BARREIRA
Esse é o mecanismo que permite que estejam fora da lista dos eleitos os partidos nanicos que não tenham, já agora em 2018, ao menos 1,5% dos votos para deputado federal em pelo menos um terço dos Estados.
A barreira crescerá gradativamente, até atingir no mínimo 3%, nas eleições de 2030. A ideia é reduzir pela metade os 35 partidos registrados na Justiça Eleitoral e os 27 que têm representação no Congresso.
Os partidos que não atingirem a barreira continuarão a existir. Mas deixarão de receber o Fundo Partidário ou a se exibirem em horário eleitoral gratuito.
Seria uma maneira de acabar com a criação de partidos que funcionam como empresas nas mãos de seus caciques, que vivem nababescamente com o dinheiro do Fundo Partidário e que, em ano eleitoral, vendem a si mesmos por debaixo do pano para partidos maiores, que, assim, têm mais tempo de propaganda no horário eleitoral.
FUNDO PARTIDÁRIO
O projeto inicial da Câmara era o de forçar a União a abastecer com R$ 3,6 bilhões um fundo que substituiria, já em 2018, as doações de pessoas jurídicas, que foram inviabilizadas em 2015 por decisão do Supremo.
Os deputados não chegaram a um acordo. A peteca foi lançada para o Senado, onde o líder do PMDB, Romero Jucá (RR) idealizou um fundo de valor semelhante, mas com algumas diferenças.
Em lugar de exigir dinheiro do Tesouro, o fundo teria R$ 2,2 bilhões vindos de uma parcela das emendas a que as bancadas têm hoje direito.
A solução é delicada, porque as emendas – por mais que não dependam de políticas públicas do Executivo, mas sim da vontade de um deputado ou senador -, sairiam perdendo, afetando investimentos em saúde, educação, transporte ou segurança pública.
A questão gera um compreensível desespero no Congresso, sobretudo porque não há clima, depois da Lava Jato, para que se estude um financiamento mais equilibrado e menos criminoso das campanhas por parte de empresas.
Os políticos, que são também candidatos à reeleição, argumentam que o dinheiro precisará vir de algum lugar. O que, nessa espécie de chantagem velada, significa insinuar a volta do caixa dois, ou então – o que é muito mais grave – aceitar a oferta do crime organizado.
Nesse último cenário, por debaixo dos partidos e suas bancadas (PMDB, DEM, PT, PSDB), haveriam os deputados e senadores eleitos pelo PCC, pelo Comando Vermelho ou pela Família do Norte.
A questão está em aberto. De certo modo, o STF precisaria recuar da decisão radical que tomou há dois anos. Em troca, poderia exigir que empresas doem a apenas um partido político – e não a todos eles, como o fizeram a Odebrecht e a JBS -, e reservem para tanto apenas uma parcela pequena de seu faturamento anual.
FOTO: Fábio Rodrigues Pozzebom