48% dos servidores poderão se aposentar em até 10 anos
Nelson Marconi, professor da FGV, diz que, pelas regras atuais, os sistemas previdenciários estaduais não vão suportar a conta
Ao longo dos próximos dez anos, 48% dos servidores estaduais hoje na ativa - praticamente a metade da força de trabalho - terão direito a pedir a aposentadoria. Serão 1,8 milhão de funcionários públicos com direito a reivindicar um pecúlio para o resto da vida.
"Pelas regras atuais, os sistemas previdenciários estaduais não vão suportar a conta e a crise, hoje concentrada em alguns Estados, vai se espalhar", diz o economista Nelson Marconi, professor da Fundação Getulio Vargas e autor do levantamento.
Parte do fenômeno tem razões históricas. Como lembra o economista Paulo Tafner, especialista em Previdência, a concentração de aposentadorias nos próximos anos deriva de um boom de contratações que ocorreu em praticamente em todas as esferas do setor público no final dos anos 80 e início dos anos 90, durante a redemocratização.
A Constituição de 1988 reforçou o processo, ao ampliar as obrigações de Estados e municípios nas áreas de educação, saúde e segurança, que dependem de muita mão de obra.
Pesa também o fato de duas categorias, professores e policiais, cujas contrações estão concentradas nos Estados, terem direito a aposentadorias especiais. Professores podem se aposentar com 50 anos.
Em vários Estados, policiais têm entrado com pedido de aposentadoria aos 46, 47 anos de idade. Essa peculiaridade, inclusive, precisou ser considerada na pesquisa. Marconi adotou uma média ponderada para incluir as aposentadorias precoces no levantamento.
O problema ocorreria de qualquer maneira, mas tem pelo menos dois agravantes: chega no momento em que o brasileiro começa a ficar mais velho e a viver mais, o que eleva e prolonga os gastos da Previdência, e quando o país mergulha na mais profunda crise econômica da história - o que reduz a arrecadação que deveria suportar aumentos nos próximos anos.
"A recessão, a crise de crédito e de setores-chave para a arrecadação agravaram e anteciparam a crise estrutural da Previdência: servidores trabalham menos tempo para ficar mais tempo aposentados e não é a toa que há uma razoável correlação entre o tamanho da Previdência própria dos Estados e a crise financeira de muitos deles", diz economista Jose Roberto Afonso, pesquisador do Instituto de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
De fato, nos dois Estados em situação financeira mais frágil - falta dinheiro até para a folha de pessoal - há fortes desequilíbrios na Previdência.
No Rio, a previsão é que as contas estaduais encerrem o ano com um rombo de R$ 17,5 bilhões - R$ 12 bilhões vêm do sistema previdenciário. No Rio Grande do Sul, 56% da folha de pagamento do funcionalismo vai para aposentados e pensionistas.
ROMBO DE R$ 100 BILHÕES
Parte do problema para se identificar e corrigir distorções na Previdência dos Estados está no fato de sequer haver um padrão para acompanhar os seus resultados. Existem três cálculos. Todos são oficiais e corretos, mas têm resultados distintos.
Neste ano, parte dos Estados passou a considerar a metodologia do Tesouro Nacional, que inclui mais dados. Por esse parâmetro, os rombos previdenciários deram saltos. A soma totalizou R$ 77 bilhões no ano passado e, pelo ritmo de crescimento observado, tende a encostar em R$ 100 bilhões ao final deste ano.
A estimativa foi feita pelos pesquisadores Vilma da Conceição Pinto e Samuel Pessôa, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
Entre 2014 e 2015, os déficits somados tiveram alta de 18% acima da inflação. "Pela velocidade do aumento, se as regras da Previdência não forem revistas, em pouco tempo todo mundo vai ser Rio de Janeiro", diz Pessôa.
O que chama a atenção no caso do Rio é principalmente a velocidade com que o rombo se revelou. O Estado não tem o maior déficit. São Paulo é o líder: foram R$ 16 bilhões no vermelho no ano passado, pela regra do Tesouro.
Mas o governo paulista adotou uma série de medidas para reorganizar o sistema e freou o crescimento, que foi de pouco mais de 3% entre 2014 e 2015. Minas Gerais é o segundo colocado, com um déficit de quase R$ 14 bilhões.
O Rio vem em terceiro lugar, mas de um ano para outro o buraco foi de R$ 4,9 bilhões para quase R$ 10,8 bilhões. Descontada a inflação, o fosso dobrou de tamanho.
Não houve uma corrida a aposentadorias. O problema é que a recessão escancarou as distorções. A maioria dos servidores está no antigo regime, que não se paga: são 233 mil na ativa para cobrir benefícios de 260 mil aposentados e pensionistas.
A maioria se aposenta aos 56 anos. Professores, aos 50. O governo identificou a bomba relógio e criou um sistema novo. Quem entrou no serviço público após setembro de 2013 está num fundo capitalizado e superavitário. Mas são apenas 18 mil ali.
A banda deficitária, que atende a vasta maioria, era coberta por receitas extras. Com a recessão, virou pó, levando caos a todos os servidores.
"Os royalties do petróleo estavam sustentando o déficit e a transição de um modelo para o outro - vários economistas criticaram, mas era o necessário. Com a crise, a reforma da Previdência, que já era importante, se torna urgente", diz Gustavo Barbosa, ex-presidente da Rioprevidência e, desde julho, secretário de Fazenda, numa sinalização de onde reside o maior problema das contas do Estado.
LENIÊNCIA
Quem conhece a máquina pública por dentro é categórico em afirmar que uma combinação de regras generosas na concessão de benefícios e a leniência em elevar salários nos últimos anos foi decisiva para acelerar a deterioração da Previdência nos Estados.
"Pesaram muito os reajustes salariais dos últimos anos que, pela regra atual, são estendidos aos inativos", diz Andrea Calabi, que acompanha as contas públicas federais e estaduais desde os anos 80.
Nessa dinâmica, o que mais pesa é a aposentadoria especial, por ser precoce. Ela não está apenas colocando mais gente no sistema, numa velocidade maior. Como se vive cada vez mais, tem o efeito de antecipar um período de descanso que tende a ser cada vez mais longo. O Rio Grande do Sul é um exemplo desse efeito.
"A nossa expectativa de vida já é alta e no serviço público é maior ainda - se compara a de países nórdicos, como a Suécia", diz José Guilherme Kliemann, secretário adjunto da Casa Civil e conselheiro da RS Prev. Nada menos que 9% dos inativos gaúchos têm mais de 80 anos e a tendência, segundo ele, é que esse efetivo aumente.
"Agora imagine que a pessoa ganha uma aposentadoria especial aos 50 e viva mais de 80: é ótimo viver mais e melhor, mas, no aspecto previdenciário, é insustentável pagar isso", diz Kliemann. A crise gaúcha é tão grave quanto à do Rio. Lá, também há atrasos no pagamento de salários e o rombo previdenciário beira R$ 7,5 bilhões.
Quem ainda não chegou ao limite, teme o futuro pelas mesmas razões. Alagoas, por exemplo, tem cerca de 40 mil inativos e 30 mil na ativa - 20% deles vão poder se aposentar nos próximos quatro anos.
A maior pressão, diz George Santoro, secretário de Fazenda, também vem das aposentadorias especiais, em particular de policiais militares.
"Os PMs estão se aposentando aos 48 anos e a gente precisa repor constantemente, pois bombeiros e policiais prestam serviços essenciais - não se terceiriza isso", diz. A solução, porém, não está na mão dos governadores. "Sozinhos, os Estados não conseguem enfrentar essa questão, porque a legislação dos militares é federal, precisamos da União para resolver isso."
Foto: Thinkstock